No dia em que deixei de escrever poemas fui à praia na sua hora fria em que as
pessoas a largam e deitei-me no areal esperando o pôr-do-sol e sorvi-o momento a
momento e a partir desse mesmo momento dir-se-ia mágico, decidi que a poesia não
mais seria uma muleta na minha vida. Na verdade nunca o foi mas decidi que não o
seria. Nunca.
Assim que cheguei a casa, violei a minha própria regra e
escrevi um poema de um só take, desculpem a expressão mas pareceu-me como que
filmado mais do escrito. Sempre que quero sair o clube manda um cobrador a
solicitar o pagamento de mais uma quota. Chega a ser opressivo. Como qualquer
cobrador sempre impõem uma silenciosa ideia de desconforto ou de que algo de
perigoso nos pode acontecer e jogam com o que não sabemos. Será que nos partem
as pernas se não pagarmos? Nos riscam o carro? Invadem a privacidade manchando
uma certa reputação adquirida? Podem fazer isso e outras coisas até nos
convencerem a pagar? A simples ideia proposta por nós próprios quando avaliamos
a atitude de quem nos assedia com um dever não cumprido causa-nos terror e é
dentro desse jogo psicológico que o cobrador vive. Bem, ainda estou a falar de
poesia? É a poesia um clube em que não se admite sair? Por exemplo, sair para
nunca mais voltar. Ou sair para voltar se houver a vontade de o fazer, com a
indefinição desta mesma medida. Por vezes é encarado assim. Poeta, logo poeta
para sempre. Não concordo. Neste sentido, e só neste sentido, nunca
literalmente, proponho de vez em quando, espancar o cobrador e ordenar-lhe que
não volte. Um ataque frontal como defesa. Talvez ele nos deixe em paz. Ou mande
outro cobrador mais sólido com outra capacidade de resposta e outras ideias
perversas com o fim de nos convencer a voltar ao clube. E já que entramos no
jogo, com violência, que é fértil em se multiplicar até á ruptura. E ainda estou
a falar de poesia?
Bem, a poesia não é algo dominável como por vezes se
pretende. Vai e volta quando quer e comporta-se como um rude agiota que cobra o
que não podemos pagar. Ou não é assim e devemos atribuir misticismo ou divinizar
a origem do acto de criar. Temos a liberdade de escolher o que bem entendermos.
Eu não faço a mínima ideia de que escolher. Vou espancando o agiota de vez em
quando e espero o dia seguinte, não antevendo nada. Absolutamente nada.
Ago.
12
Autor: Carlos Teixeira Luís
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