Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Dois homens célebres


A atendente levantou a cabeça da agenda , consultou o relógio ao lado da porta da ante-sala do consultório , fechou o romance que lia e chamou :
- Monsieur Honoré Du Balzac, pode entrar . O homem baixinho e gordo , de aspecto pomposo e lerdo, ergueu-se do sofá , apoiando-se numa bengala muito bonita, talvez , até bonita em excesso, com detalhes demais para um objeto de destinação tão simples. Mancava um pouco com o pé direito e seu rosto apresentava uma palidez esquisita, que lembrava folhas mortas no outono , em busca de um solo macio , para dissolver-se ao léu , entre a aragem e as ainda raras chuvas . Uma rápida parada em frente da atendente , ergueu a cabeça ,trocou de mão a impecável cartola , fuzilou a empregada num olhar de desdém:
- Por favor, madame, Honoré De Balzac .Fui muito claro ao anunciar-me.
- Perdão monsieur...- entre atônita e constrangida, a timidez purpúrea
– O professor Laennec já está á sua espera , na sala em frente. Por favor... A mão suada e agora fria , abriu a porta da ante-sala , inclinando a cabeça em subalterna reverência. Quem diria, aquela ruína engalanada era o grande Balzac ! – pensou e tornou a ocupar o seu posto , voltando aos dramas do seu querido Hugo , encadernado e amado em marroquim e lombada dourada.Claro, presente de madame Laennec.
Um claudicante Balzac adentrou o consultório, trôpego, precocemente envelhecido aos seus quarenta e oito anos , um rosto onde se alternavam a irritação e o tédio . O gabinete do médico, de suntuosidade idêntica á de tantos outros que retratara , um arejado e se g u r a m e n te asséptico ambiente burguês , tão sólido quanto a reputação de seu dono . Mas a doença tinha os seus questionamentos, surgidos das noites de falta de ar , de dormir sentado , da insegurança até em subir num coche mais alto: Tudo o que fizera na vida , não era para ser um burguês superior, um aristocrata do espírito com o melhor que o mundanismo poderia oferecer ? A vida lhe dava um não sinuoso, quase um talvez , acabava-se aos pedaços, insidiosamente , nada definitivo , sem golpes de misericórdia , antes a sensação terrível que sempre acompanha a consciência aguda do próprio fim , sorvida homeopaticamente , administrada por uma providência cruel e indiferente .Sobre a escrivaninha , um inesperado busto de Minerva , contemplava um tinteiro onde Hipócrates reafirmava a legendária fealdade, um deus num corpo de íncubo . Uma venerável cabeça ergueu-se em sua contemplação , um olhar profissional sobre um sorriso de estranha empatia , mediu – o da cabeça aos pés e até um pouco da alma, quem sabe . Honoré sentiu um aperto de mãos firme e saturado de uma autoconfiança até antipática. - Sente-se Monsieur Balzac , por favor - a pálida mão apontou – lhe uma cadeira quase lateral á escrivaninha.
- Em que posso servi – lo ? – continuou , como se contemplando um ponto entre os seus olhos.
O homem pequeno e gordo desfiou um rosário de achaques , descrições de dezenas de outras consultas , tratamentos mal-sucedidos, visões da vida e da morte , onde a morte já se confundia com o viver , tal era sua existência naqueles tempos . Aquele homem era um grande médico , pensou enquanto descrevia os seus males . Só os muito bons conseguem tornar-se invisíveis olhando em nosso rosto e nos fazendo falar livremente, pensou aquele pequeno grande homem .
A torrente de insônias dolorosas e asfíxicas , a trôpega fuga dos credores e agora de si mesmo , os incontáveis bules de café , combustível para sua mente criar os cumes e abismos da comédia humana . A própria história transmutara-se num rascunho que agora narrava , em súbito improviso . Laennec elevara á categoria de arte a escuta das vidas e das algaravias dos corpos dos seus pacientes .Inventara o estetoscópio e os recônditos do corpo e seus sons, eram audíveis áquela mente curiosa e sagaz . Pontuava um calar-se estratégico com pequenas indagações, quase gestos . Os assentimentos de cabeça , d i r i g i a m aquele intenso monólogo .
Em seguida, passou ao minucioso exame físico, sob a guarda de um biombo . Honoré imaginava a procissão de enfermos que haviam passado por ali , naquele silencioso isolamento dos males do mundo. O médico empregou um aparelho tubular para escutar-lhe o peito e as costas. Percutiu-lhe o volumoso e dilatado abdome, extraindo sonoridades bizarras e distintas . Ao final , apontou – lhe o cabide, sinalizando o fim do exame :
- O Monsieur padece de diabetes mellitus . O seu coração e rins me parecem já comprometidos : essa inchação nos pés , essa falta de ar, essa elevada pressão arterial , a palidez terrosa e a urina espumosa e doce , falam por si só.
- Palidez terrosa ? Fantástico ! Já apresento então, afinidades com a terra que me dará guarida , a terra dos cemitérios. Que fazer para que Belzebu me esqueça ? Ou me considere uma empresa além das suas forças ? Laennec sorriu . Fitou novamente aquele ponto entre os olhos de Balzac. Subitamente, relaxou –se na cadeira , esticando o pescoço para trás , falando em direção ao teto trabalhado e burilado , numa passividade que tinha algo de felino em sua calma perspicaz:
- Monsieur, conheço-o de fama e já li alguns dos seus trabalhos. O senhor, á sua maneira , é um grande médico. Pressentir uma doença antes da sua manifestação , é um dom quase divino . Perceber as doenças que a nossa sociedade enferma produzirá, é algo fantástico. O meu trabalho é sobre aquilo já feito, já consolidado, já visível, auscultável e palpável.
- E daí ? Isso me torna mais fácil morrer ou viver ?
- A sua arte o está matando a partir de outro plano, o da imaginação. Seu urinar constante, sua rápida perda de peso e essa fome insaciável ,são o preço das madrugadas sem fim , atravessadas á café forte e exaustão mental , vivendo centenas e centenas de vidas a cada mês , com suas alegrias , frustrações , seres bem e mal amados , homens e mulheres desfilando um cortejo ao mesmo tempo maravilhoso e mortal para o senhor. Em seguida, numa agilidade inesperada e jovial, sentou-se ereto e começou a escrever furiosamente numa longa folha de papel , a caligrafia nítida , equilibrada e sem floreios. Ao final , estendeu a folha ao já surpreso paciente:
- Aqui estão minhas recomendações . Foi um grande prazer conhecê-lo tão intimamente . Sei que nada fará do aqui recomendado, porque é regido por seus personagens e seu mundo, que lhe parecem muito melhores que a sua realidade de hoje , monsieur Balzac. Balzac agradeceu, pegou a cartola e saiu no seu passo trôpego. Laennec permaneceu de pé , mãos nos bolsos , contemplando sua escrivaninha.


Conto de André Albuquerque

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