Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



domingo, 17 de janeiro de 2010

Tipos

I

Quando algo se parte entre nós,
Bem sei.
As marés em ti convulsionam-se
Teus continentes estremecem,
Obrigando a imensa
População de teus sentimentos
A fugirem desesperados
Para todos os recantos do teu corpo.
É então que,
Como se algo de ti perdesses,
Como se algo em ti partisse,
Precipitando-se escada abaixo,
Choras francamente.
As lágrimas rolam simultâneas,
Lado a lado, de teus olhos,
A lembrar o que éramos,
Nas faces límpidas de um rosto.
Quando algo em ti se parte,
De imediato, sei,
Pois todo teu corpo delata-te,
Fica qual pregoeiro
Anunciando tua viuvez.


II

Quando algo em mim se parte,
Não há aparência
De nenhum mar que se revolta.
A rocha cede apenas
Um pouco mais de seu material,
Ante a outra onda procurando
Praia serena para espumar-se,
E a velhice reduz-me a sombra
Sob o sol inexorável dos dias.
Quando algo em mim se parte,
Apenas sentes,
Sonhas o que a consciência
Sussurrou-te antes do sono:
Silêncio de abismo,
Filosofia sem objeto,
Uma árvore desfolhando-se em prados desconhecidos.


III

Quando enfim o que pensamos em nós
Ser ouro e diamante partir-se e partir,
Talvez tu, de tanto expor-me
Os restos daquela que conheci,
Sejas outra, nova,
Desconhecida pisando nua
Sobre cacos do que sonhara para si,
Sem nada mais sentir,
Deixando-me apenas
Pingos de sangue sobre a face
Feita em incontáveis pedaços.

Inês

Ó Inês, a morta,
Em mim tu vives
Febril e plena.

A sempre-viva,
A morta-viva
Tu és um entre.

Tu és um ventre
Materno e triste
Que quer parir-me.

Tu és lugar
Sem locus certo:
Entrelugar...

Pra sempre vives
Em quem se move
Febril, partido –

Inês de Castro,
Rainha póstuma,
Mesquinha nunca!

Inês é morta!
Mas não aqui
Em peito frágil.

Inês é viva!
Em quem sem fé,
Sem fé e amor

Só traz grilhões,
Um corpo asceta
Que se amesquinha,

Que espada alguma
Jamais sentiu
Na tenra carne,

Um corpo asséptico,
Que em vida ainda
É quase morto.

Inês Rainha,
Com quem caminha
Tão só, perdido,

Tu vais cantante
Tu vais cortante,
Mulher tão trágica

Em mim, o mudo
De corpo ocluso
Tão pouco lido;

Em mim, sem canto,
O quase morto
De tumba em tumba.

Entanto, tu
Embora morta
Na escrita vives.

Inês tão viva,
Malgrado morta,
Me faz teu Pedro!

Defunta viva,
Tu te coroas
Na minha vida

De vivo morto
Que quer ser pleno
Ainda vivo.

Desespero

O desespero de vidas vazias.
Quanto tempo se passou
Até que chegássemos aqui?
Todos os caminhos
Tornaram-se terríveis,
Monstruosas quimeras
Prontas a nos devorar
Com a boca desdentada de fábulas.

O desespero de vidas vazias.
Alguém está sempre
Prestes a cair, a tombar
Num asfalto em chamas
Após um dia tórrido, hórrido,
Repletos de cacos desesperados,
De homens já no bagaço
Na volta para casa.

O desespero de vidas vazias,
O alarido das discussões
Ao telefone, a verborragia
Muda em frente ao pc,
As caras não se transmudam
Iluminadas por tantas luzes?
O corpo quer transigir,
Mas só encontra o que secreta.

O desespero, os morteiros,
O corpo é pequeno demais,
Mas teima em sentir,
Para logo calar, e como cala
Todo um país em chamas,
O que desejou tanto sentir,
Porque agora só há a profusão,
Profissão e tecnicismo.

Olha as cartas, os e-mails,
Uns queimamos, outros
Apagamos com um simples
Toque, tudo tão fácil
Como lavar as mãos
Antes da refeição,
Como lavrar a vida
Repartida e burocrática.

Onde foi que nos perdemos?
O desespero de vidas vazias
Com água encanada,
Com carro na garagem,
Com bate-papo na internet,
Com tv a cabo e comprimidos,
Num labirinto secular
De programas e utensílios.

Toda a ameaça para fora
Dos muros da cidade,
Mas não há muros!
Para fora dos portões,
Que hoje são só um monumento.
Para fora de nós mesmos,
Mas não há mais nenhuma alcatéia
E é narciso quem nos mata.

Se alguns atiram e matam,
Nós calamos, os olhos
Se fecham para o sono dos justos,
Mas todos delinqüimos
E acusam-nos disso padres e profetas.
Ainda há beleza em salvar-se
Num mundo sem salvação?
Ainda há beleza? Deleite?

O desespero, e ele é mudo!
As fábricas funcionam, regulares,
Como os maridos em suas camas.
Os prostíbulos apinhados
Funcionam regulares
Como as missas nos altares.
A tarde se oferece sangüínea,
Venenosa e sem alarde...

O desespero, e ele é mudo!
Fauces abertas sobre todos,
A verdade nos calcina!
E a mentira chega lívida em aspirinas.
As hipóteses trêmulas naufragam
Sob o peso incomensurável do silêncio
E da inorgânica acidez da chuva
Desabando intransigente sobre a terra.

O desespero, e ele é mudo!
O destino das mãos se conflagra.
Na esteira das cifras
Os olhos se cifram diante
De apólices, títulos e debêntures
E o resto do corpo não decifra
O que em si segue inominado,
Inominável sob o peso do mercado.

O desespero de que tudo já foi
E não há nada mais a dizer.
O desespero de que não aprendemos,
Que desaprendemos e que queima
Inutilmente em nosso peito
Toda a biblioteca de Alexandria.
O ancião morto me disse:
“Os homens se matam feito percevejos.”

Mas eu calei, mas eu sangrei
Vendo aquela flor de asfalto
Irrompendo-me os nervos e os versos.
O desespero me silenciou,
Depurou-me o próprio silêncio,
Enquanto meu filho vai nascer
Nesta cidade de bruxas e elefantes,
O filho, o filho que vou ter, infante...

O desespero, e ele é mudo!
Tantas vozes e nenhuma
É nossa, a cidade nos abafa
Com alarido e promessa de prazer.
E sob dióxida atmosfera,
Nos quedamos sem saber
Que toda a estrutura provém
Da agonia dos céus de outrora.

Felipe Mendonça -
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