Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



domingo, 7 de outubro de 2012




no mesmo instante

em que

homens escolhem

...

seus

futuros senhores

outros

buscam a senha

do prato

de sopa fria

do pão dormido

da imutável sina

da vida quase não


Nydia Bonetti

apalavrar

Há uma agitação dentro do corpo. os órgãos reclamam liberdade às palavras – não sei se alguma vez serei capaz de largar as palavras das mãos sem perceber o que cada uma de mim leva – tenho medo. tenho muito medo das palavras – há tanta coisa que desconheço das palavras. são sempre tão complicadas. difíceis. problemáticas. com tantos sinónimos. a dizer tanta coisa ao mesmo tempo – as palavras amedrontam-me. assustam-me. como quando ouço o vento norte. anuncia sempre mau tempo e o bater das portas não pára. e vão para lá e vêm para cá. e o corpo sem saber o que entra ou sai – sempre que as palavras partem deixo o olhar fixo à procura de ouvidos que as queiram colher. como se colhe o centeio da terra que mata a fome às bocas – e o medo é um novo adamastor feito de palavras que partem com tudo o que é meu. e o corpo em mar navega com terra à vista. em desassossego. inquieto. receoso afunila a esperança para quem as quer colher: adopta. não adopta – há certezas que desaparecem entre a boca e o corpo de quem escuta. e na caverna auditiva o monstro aparta as palavras. boa. má. boa. má. e tudo é diferente para sempre: deixei partir o que só eu sei dizer e os outros ficaram a saber o que eu nunca disse – não há lábios íntegros nem ouvidos puros – e depois aquela incerteza que trouxe do berço. e tudo sempre tão difícil. e tudo dúvida. e tudo terror. e o dia sempre a puxar para o escuro. e ao longe a nuvem a correr sempre para norte e as mãos sempre pequenas num corpo que quer crescer com as palavras – não consigo descansar desta aflição de saber se escrevo palavras autênticas. e a cabeça a dizer sim. e as coisas no papel a dizer não – a arte do pregador é falar e a do escritor é escrever. e eu não sei nem uma coisa nem outra – porque me castiga deus com tanta palavra hesitante – a cabeça teimosa a dizer que sim com mais força. e acena. e acena. e as lombadas dos livros viradas para a parede. estou de castigo – um escritor é feito por todas as palavras que escreve. mas eu escrevo sempre poucas. para o tanto que quero dizer – e a cabeça continua a acenar. imagino então que todos são como eu. tolos. feitos de palavras que não existem em papel. nunca nenhum escritor escreve em papel o que lhe cai nas mãos. aquela sensação de calor. a falta de ar. o desassossego. os ossos a partir de cansaço e as lágrimas a escorrer por dentro e por fora. os olhos perdidos do corpo lutam por cada página do dicionário. e folha para trás. e para a frente. e da boca um raios parta isto. não encontro sinónimo para a palavra felicidade sem esta maneira de dizer as coisas – e o corpo reclama escrita. e escrevo resmas e resmas de papel para dizer nada. nada que os outros entendam – e a loucura é agora reconhecida. atestado por um médico 

- - está louco. já não reage à medicação. não consegue abandonar a obsessão de que um dia todas as palavras terão sentido – façam o favor de internar este pseudoescritor. não esqueçam. colete de forças e sala branca por tempo interminável até que faça outra avaliação do seu estado mental –

sempre que junto palavras invento-lhes uma nova vida. ricas. poderosas. fortes. elegantes. viajadas. a falar francês. inglês. bem vestidas. reconhecidas e sempre a apontar para mim – mentira. tanto quero dizer e no fim do parágrafo o que sobressai é apenas o ponto final – também eu tenho que por um ponto final nesta forma de escrever. tenho que largar as palavras tal e qual como elas me erguem do chão. não posso senti-las de uma forma e depois entregá-las ao leitor de outra. têm que partir sem erosão. sem polimento. sem brilho. sem maquilhagem. têm que partir do que sou. do que sinto em silêncio. quando encostado ao pulmão coloco as pernas em cima do coração. para facilitar a circulação sanguínea. incham-me os pés e com os pés inchados as palavras incham também. e fico com os canais lacrimais entupidos e eu não sei escrever sem chorar – se as palavras fossem choro era fácil. uma música. uma voz e a liberdade do corpo era a grândola vila morena – se as palavras fossem gaivotas era fácil. um dia de sol. um pouco de vento e a liberdade eram asas – se as palavras fossem peixes era fácil. um oceano. uma onda. e a liberdade eram barbatanas – se as palavras fossem saudade era fácil. um dia de sol. uma foto na mão e a liberdade era o passado – se as palavras fossem vento era fácil. uma criança. uma praia e a liberdade era um papagaio de papel – se as palavras fossem um homem era fácil. um papel. um poema e a liberdade eram as metáforas – não há liberdade para as palavras que escrevo. elas são eu. e eu estou preso a cada palavra – eu sou a prisão das palavras e as palavras as grades da vida


Autor: Sampaio Rego

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FEITO COMO




um boi trôpego
de partida
no esparramo do asfalto quente

...

espanando o poeiriço cinza
de tardes espartanas

um espantalho
meio espantadiço
simulacro de crucifixo
um triste querubim
dos roçados do sem-fim

um vergalhão
corroído pelas ferrugens
prestes a permitir
a demolição do edifício
um osso fraturado do ofício

de doar centenas
de vezes
o coração


Felipe Rey

Imagem: Sr. do Vale

CIDADE DOS HOMENS





( Para o amigo Erick Moraes )


Cidade dos homens :
O calendário vestido
em quarta-feira e Cinzalha .

...

As avenidas fumam petróleo enlatado______
pescoços braços e pernas batem cabeça
num trânsito regido
pelo dragão da maldade .

Quando anoitece
várias estrelas faltam ao trabalho
( vento sopra uns trombones de chuva próxima )

e os trens retornam aos subúrbios
levando quem não se acaba de morrer .


Adiron Marcos




Eu quero desacelerar minha vida

Eu quero diminuir meu passo
Transar bem devagar
Morte lenta

Eu quero deixar esse frisson
Que cansa meu corpo
Que não liberta mais

Vou ler alguma coisa antiga
Aprender a escrever
Ler sonetos

Parnasianar
bem devagar
sem farinha
pedinha
pó.

Mas por enquanto falta métrica.

Monique



Máquina de Seduzir




Me fintou num instante
Com olhos intrigantes
Num convite sedutor
A mergulhar-te fundo
Pela porção Afrodite
Que se despia lentamente

Tinha íris cor de mel
O corpo de contornos delineados
Pelas curvaturas ousadas
Um passear a caminhar-te
Pelo dorso, cada pedaço de pele

Passo a passo entorpecido
Explorando tuas arestas
Nas fendas mais distantes
Entregando-me inteiro
As tuas cálidas mãos
Que inquiriam o íntimo
Usando-me

Desnudo a tua frente
Namorando clandestinamente
Sendo tragado num único gole
Pela tua janela de Vênus
Que tomava tudo

Feito conhaque

Causando palpitações
De puro êxtase
Na tua boca levemente úmida
Entreaberta, Escorria veneno mortal
De víbora serpente
Enfeitiçando o lugar
Como se Pedisse:

"Atreva-se"

Nem parecia mulher
Era anjo ou demônio
Surrupiando almas
Possuindo tudo
Fazendo gozar
Sem ao menos perceber
O quanto é imensa
Essa coisa mágica
Vestida de mulher

Allima





aldeia velha





despenco
como um barranco
aberto em beira de estrada
pelos pastos ressecados
meus desejos, os bois magros
nosso projeto, aquele ipê
derretendo amarelo
idéias que piscam no escuro
erodir por completo
aos urubus minha carcaça
que reste somente o ipê
amarelo como um farol
em nossas insustentáveis
pastagens

Lucas Viriato