Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



quinta-feira, 28 de junho de 2012

carcohas, bicicletas & biplanos - 21

O homem escreve alguns poemas e por isso chamam-no poeta. Mas nem sempre poeta é um elogio. O homem levanta-se e bebe um copo de água. Prepara a papa cérelac para a filha e não é preciso acordá-la porque já brinca no quarto. É sábado e a mãe foi trabalhar. O homem está cansado. Liga a máquina de café e vê um pouco de televisão, enquanto come o seu nestum de mel. Aparece a filha e dá-lhe um beijo. Pede para ver certo programa gravado. O homem procura-o na box e o programa entretêm a menina enquanto come no sofá. O homem levanta-se e arruma uns papéis. Relembra a semana louca que teve. Um feriado municipal a meio. Um corte de electricidade na véspera do feriado por levar ao limite o pagamento duma factura. O corte da televisão, televisão e telefone na véspera por falta de pagamento. Restabelecer tudo em tempo recorde foi uma loucura, principalmente sem dinheiro. Ajuntou uns documentos e avisos e talões de multibanco numa pilha a um canto da mesa da sala e apeteceu-lhe pegar-lhes fogo. Levou o prato vazio com vestígios de papa láctea e colocou-a na máquina de lavar louça. Uma pastilha e ligou a máquina. Ajeitou a cozinha e deu um ultimato de tempo para dar banho à filha. Sentou-se novamente no sofá enquanto bebe o café. Vê uma série gravada sobre um pai de família desempregado e alcoólico e os seus cinco filhos num caos melancólico e às vezes feliz. Prepara o banho a roupa e pega na filha para a pôr na banheira. Fazem graças com imitações de filmes e dá-lhe banho. Seca-a, veste-a e seca-lhe o cabelo. Promete que a leva a um parque arborizado nas redondezas. A filha vai brincar para o quarto. O homem faz as camas. Aspira o chão. Arruma os brinquedos, transferindo-os da sala, do corredor para o quarto da filha. Escolhe a roupa e toma banho. Faz a barba. A miúda serve-se de um iogurte com cereais. Ele bebe mais um café e uma pequena torrada.
Vamos ao jardim, a menina calça-se e põe o seu chapéu de sempre, escolha dela. Saem. Caminham na rua até ao seu fim, atravessam uma parte de mato e uma avenida movimentada. O homem antes de atravessar a estrada, testa mais uma vez com a filha as regras de se atravessar uma estrada em segurança. A menina age como qualquer criança com o seu foco no jardim e os seus estímulos. Não liga nada ao seu pai. Mas o homem sabe que a repetição é amiga da retenção. Sucedeu assim com ele e com o seu próprio pai e irá suceder com a geração seguinte. Atravessam um parque de estacionamento sem carros junto ao campo de ténis, um pequeno lago onde a pequena descobriu um sapo preto num destes dias, o campo de futebol cheio de gritos e chutos, a zona dos escorregas e balouços. A menina fez logo uma amiga e brincaram por uma boa hora inventando novas formas de explorar um simples e monótono escorrega. O homem refugiou-se numa das sombras vigiando-a e cumprimentou um velho conhecido que passava na relva lá ao fundo. De vez em quando semicerrava os olhos e escutava os sons, isolando-os do resto que observava. Pássaros, gritos de crianças, pais que dão ordens como treinadores, automóveis e mais pássaros.
Foi difícil arrancar a miúda do parque. Não quis ir ver os animais. É realmente uma chatice ver patos, galinhas, cabras, uma vaca, dois burros, um cavalo, dois galos e um gato, da cerca sem lhes passar a mão por cima. Já passou da hora de entrar no recinto dos animais. É hora de voltar. O sol aperta. A filha está cansada. Atravessam uma área de relva e a avenida e entram num pequeno supermercado. Compram batatas, leite, massa e salsichas. O pai dá o dinheiro à filha e ela paga. Confere o troco e aceita. Dá as boas tardes e sobem uma rampa para o prédio. A miúda abre a porta do prédio lembrando-se do código da porta com destreza e sobem no elevador até ao último andar.
Vai lavar as mãos e brinca um pouco que o pai vai fazer o almoço. A menina liga a música no seu quarto. O homem abre uma cerveja e começa num bailado de tachos e louça digno de Igor Stravinsky. Como um poema de meio-dia passado. O homem escreve alguns poemas e por isso costumam chamá-lo de poeta.

Jun. 12
 

carochas, bicicletas & biplanos - 20

Mofo. Quero o poema sóbrio, com um sorriso de tequila. Desperto como um dia que nasce, com o rio ao fundo. Sempre que decido não gastar dinheiro em comida quando posso gastar com poemas e enxovalhos de velhas carpideiras e falaciosas, que me deitam olhares de coruja e entardecer, quero assim o poema, solto e mexicano. Como uma balada ébria de Dylan o que canta, não o que bebia e que morreu faz umas décadas. Esse era poeta de excepcionalidade. Quero o poema estendido e divagante, como uma melodia eterna, que não acaba porque não queremos. Como os dias que acabarão quando eles bem quiserem. No fundo quero que o poema contenha tudo, eu e tu e o que mais entre nós. Seja o mundo pequeno ou de avalanche, seja o todo uma mistura de todos ou apenas a mesma feira de questões de fundo. Querer esse espantoso começo como se deus se desenhasse a cada sonho. Cidades imaginárias, édens de dante em tons de azul e preguiça. Mas o poema são torres cinzentas de subúrbio, gotejam humidade nos cantos. Velhos deitados sussurram, uns aos outros, ouvem-se pelos canos, contam estórias antigas pois todas as histórias são de ontem e morrem gritando indignidades. O poema sofre assim mas respira tudo isso como se fosse um aspirador metafísico.

Jun. 12

Autor: Carlos Teixeira Luís

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=225541#ixzz1z5VtOh6z
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives