Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um encontro especial...



A ponte que me leva todos os dias para casa, já nem sei se devo confiar... Por ser meu único atalho de ida e de volta, não tenho muito o que discordar. Mas algo vem me deixando intrigada: é que eu andei saindo, e na volta, ao invés de eu retornar para meu lar, eu ia parar sempre em algum lugar que, sei lá, é estranho e ao mesmo tempo familiar.

Sentia-me distante de tudo que conhecia, de tudo que vivia. Mas me sentia bem, como se fosse justamente aonde eu sempre quis estar. Talvez por me sentir à vontade e tão bem é que ficava arredia com o desconhecido, digamos: diferente da minha rotina e realidade.

Se eu contar essa história mal contada para minha psicóloga, tenho certeza, ela não vai acreditar, e logo vai-me perguntar: "Como era esse lugar?" Já que não vou contar nada para dra. Margarida, tratei logo de descrevê-lo nas entrelinhas do meu diário. Que é para se caso, ou por ventura, num desses azares da vida, eu caia e bata com a cabeça, esteja registrado. Então escrevo:

O lugar era rico em vida, com muito verde e árvores ao redor, com céu que mais parecia furta-cor. O sol rei parecia gostar da minha presença. O mesmo, escapava pelas fendas das árvores para me visitar... O vento era diferente, exalava jasmim... Mas o que mais me chamou a atenção foi aquela criança, uma menina diferente, que tinha algo especial. No início, pensei que a menina estava perdida e dava uma passada de olhar para ver se achava seus pais, mas nada!

Era lindo de ver como ela me olhava e sorria, como quem tivesse se encontrado, como se EU fosse um achado... Ela não falava, mas era como se ela fosse meu espelho. Eu podia ler todos os seus pensamentos, sentir todos os seus desejos, me alegrar com todas as suas brincadeiras e sentí-la como nunca senti ninguém, a não ser eu mesma.

Ela olhava para mim com olhos de esperança, com olhos de fé, tal como se eu fosse o seu futuro brilhante, o seu destino... E de repente tudo passava como um filme em minha cabeça: lembrava-me da volta para casa, da ponte, dos caminhos, do lugar e da doce menina com olhos regados de inocência, mas ao mesmo tempo urgência de ser aquilo que se sonha... Lembrava-me daquele sorriso que transbordava sinceridade, mas que ansiava liberdade. O cheiro da menina era o mesmo que o meu...

Pensei - tantas coincidências, será que o destino está a me pregar uma peça?
Ou enlouqueci de vez? Intensa que sou, resolvi pegar nas mãos da menina para sentí-la, tocá-la... E passeando meus olhos sobre sua palma, pude perceber que eram as mesmas linhas que as minhas - esfreguei meus olhos na busca de estar louca, com sono, míope... Mas não, era exatamente o que eu via, uma mão como a minha, um cheiro como o meu, os olhos de fé como os meus, o sorriso de sapeca que ansiava liberdade, tal como os meus.


De tanto buscar respostas para as minhas perguntas, cheguei à conclusão de que a linda menina era um anjo, mas logo me veio outra pergunta: como assim, um anjo?Logo eu? - cheia de defeitos, nada angelical, apenas com minha bagagem de fé, coragem, ousadia e na busca incessante da cobiçada liberdade, como pude eu ter contato com um anjo? Não, não, isso não é real. Resolvi procurar uma saída para sumir dali e marcar com urgência uma consulta com a minha psicóloga.

Quem disse que eu achava a saída? Conformada de que eu estava tendo um sonho bonito e louco, resolvi relaxar, cruzar as pernas como Buda e meditar. Meditando, ouvi o sussurrar do vento baixinho no meu ouvido, dizendo: "essa menina é você, Valentina, é apenas um encontro com o seu "Eu" e com sua menina, com seus sonhos, com sua inocência ainda intocável, quando tudo era mais bonito, quando tudo era possível.

Atônita, levantei-me daquela posição de Buda e fui olhar bem de perto aquela menina. Ela estava sentada na pedra, me olhando e, como sempre sorrindo...
Eu encantada com o que tinha ouvido, deslizei minha mão sobre seu cabelo, acariciei seu rosto alvo e notei que o mesmo cordão de ouro que eu tinha ganho com três anos de idade estava ali, bem no pescoço da menina.


Pude ter a certeza de que o vento amigo não brincava comigo. Fitei o breu dos meus olhos sobre o breu dos seus e vi minha'alma. Isso mesmo - vi minha'alma... Enxerguei toda minha trajetória até aqui, vi todos os caminhos que insisti passar, todas as guerras que eu tive que lutar, todas as lágrimas derramadas sobre aquele lençol, todas as vidas que Deus permitiu que partisse, todo o amadurecer de uma menina-mulher. Me vi inteira, desnuda... Corajosa e ao mesmo tempo desprotegida. Vi toda a vontade interior que eu sempre tive de mudar minha história, transformando minha tristeza em alegria, minhas perdas em força, mas que com o tempo e com a vida corrida, já tinha esquecido! Pior, tinha esquecido de mim!

Aquele túnel do tempo com encontro marcado comigo fez-me enxergar novamente... Tirou toda a poeira que embaçava minhas lentes e me deu gana de voltar a ser aquela menina idealista, sonhadora e com alegria na alma. Quando a ficha caiu de verdade, uni minhas mãos sobre as dela, fechamos os olhos, e quando os abrimos, parecia mágica, nos transformamos em uma só.

Fui marcada e jamais esquecerei o motivo pelo qual eu existo, pois não caí de paraquedas nesse mundão de meu Deus para ser só mais uma. Eu fui escolhida, e minha missão aqui na terra é com um propósito: de ser estupendamente feliz!




((( Camila Senna )))

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domingo, 30 de janeiro de 2011

Prometeu passeia entre os dedos

Prometeu passeia entre os dedos



“Our house is very beatiful at night”
Lou Reed, in My House




Nesta sexta conto dois meses sem fumar.
Fecho livro, abro janela, desligo a tevê.
E acendo um cigarro.

- Suzi?
Alê resolve ligar.
- Alê ?
- É você, Suzi?
- Acho que sim, e você?
- Também.

O Alê sempre me convenceu a sair de casa, porque eu nunca me dei tempo de aprender a disfarçar qualquer indisposição. Então troco de roupa, ponho uma malha, e da janela do quarto tento decifrar as horas. No relógio, dezoito e uma fração qualquer.

Fecho a janela do apartamento, a porta do quarto, dobro a chave, e desço as escadas como uma louca, atrás de alguma coisa sem nome, somente guiada pelo convite do Alê, que namoro desde que cheguei aqui e que, como eu, divide apartamento e depende da merreca dos pais para pagar o aluguel de seu pardieiro. Corto duas ruas, e lá está o Bruno, cada dia mais gordo, fazendo sinal com sua mão redonda. Me chama pra subir, como se não soubesse a que vim. E lá estou, abrindo ao avesso a porta de entrada do condomínio, do elevador, e da casa que o Alê divide com o Bruno, o gordo da mão redonda.

- Mas quem é vivo sempre aparece – ele diz sorrindo.
Debaixo da camiseta do Bruno, vejo duas pizzas. Disfarço.
- Sabia que tu engordou?
- Não.
- Fique sabendo.

O Alê aparece com a toalha enrolada no cabelo. Ele parece um hippie. Acho prescindível, mas gosto dele. E da barba de riponga dele também. Amo o Alê. Mas hoje não sairemos pra nenhum sushi bar, nem arriscaremos um pub. E como não costumo adivinhar bem, atesto o fato a partir do artefato: Jean-Luc Godard. Acossado. Disfarço cínica e exaustiva aquela cara de episódio recorrente. Peço um cigarro.

- Mas não contaria seis meses?
- Sim, mas com o cigarro na boca, a partir de hoje.
- Aluguei um filme pra gente.
- Mesmo? – eu pergunto, olhando enviesada pro dedão do pé.
- Sim. Olha aqui.

Ele me mostra o filme que já vi. E me leva pro quarto. Faz frio. O saco do Alê fica pequeno quando tá frio, mas o pau dele continua firme como uma rocha e doce como um damasco que eu vou chupando calorosamente, enquanto me masturbo. Ele liga o som. Lou Reed canta pra mim, enquanto o Alê me põe de quatro e enfia gostoso, provando a mim como sou carente. Ele goza na minha boca. Eu gozo logo depois, nunca gozamos igual, fato que ele desconhece. Enfim, daí tudo desaba na cama, e o silêncio se quebra logo, como de costume. Ele se acha intelectual, porque diz entender o Godard. Já eu prefiro achá-lo gostoso, para não elencarmos outro atrito aos demais, afinal estamos deitados entre estes lençóis esperando chegar a grana que paga as contas. Ele pergunta como foi o dia.

- Igual ao seu, só que mais cansativo: cinco entrevistas de emprego: nenhum delas, enquanto tu continua com a bunda sentada na cadeira, sustentando o arquétipo de grande sábio à custa do salário de teu pai. Acho tão forçado. Acho banal e forçado, sabia?

Ele levanta puto, e vai ver o filme. Eu continuo deitada olhando minha bunda empinada no espelho, mas não choro. Não é hora.

( New York Herald Tribune! New York Harold Tribune!)

Jean Seberg. Grita impecavelmente bela aos transeuntes parisienses. Os meninos olham famintos pra ela: Alê põe a mão no queixo. O gordo, no pau. E enquanto os dois marmanjos guardam suas ereções continuo a pensar que chupo muito melhor que a Jean Seberg, e que mesmo aqui, enfurnada neste inferno, levando não na cara a cada vez que mostro esse diploma, que mesmo não cotada sequer para um pornô de quinta, ainda guardo nas marcas de minha face a presunção de uma Liv Ulman.

Tento perguntar por quê tudo acontece nesse ritmo fora de controle, analiso trajetórias e tento achar uma solução menos fatalista, uma decisão que traga resultados ágeis, intercâmbio, metanfetaminas, oportunismo aplicado a docentes senis, mas tudo se estagna tão logo vejo o Alê, transpirando alegria e preguiça.

- Amanhã será um dia diferente – penso comigo mesma. Mas se não tiver sol, será glacialmente mais bonito que agora.

( Bonjour, monsieur inspecteur)

- Tu tem um fósforo? – o gordo pergunta, cigarro no canto da boca.

(Vous organisez voyage maintenant ?)

Empresto minha bituca. E lá estou eu, entre hiatos de silêncio que se movem devagar na sala, alheia a tramas, totalmente cheia de sono, a contemplar o passeio do fogo por entre os lábios de meus dois homens, passeio tedioso, porém dedicado, cujo ciclo se atualiza à medida que a bituca acende um novo cigarro. E se lá vai o último palito de caixa de fósforos.

- Ninguém tá a fim de descer e descolar um fogo?

Michel Poiccard, quanta beleza em teus gestos bruscos. Amo teu senso de negligência, recebo-te como quem te prende a dois instantes em troca do risco de teus pequenos furtos.

A gente se encara cheio de ódio, garras arruinadas, punhais cegos. Estamos absolutamente cansados de continuar a viver. Mas insistimos. Dissesse ele que não me amasse, me encostasse na porta a pontapés, me traísse, enfim. Mas não. Alê preferiu me amar. Pura covardia.

(Ouais, et alors?)

- Porque alguém teria de se levantar, ou tô parecendo muito arbitrário?

( argent a été volé, mais jê vous aime )

Trago bem forte aquele cigarro. Morte paulatina, como o pico de um orgasmo. Capoto na cabeceira do sofá. Bruno, que se encontra exatamente entre mim e o Alê, toma-me o cigarro e dá também seus tragos, produzindo uma espécie hedonista de atividade, cuja ação só terá seu sentido enquanto a chama do cigarro se mantiver acesa. Me olha bem fundo nos olhos.

(Pourquoi vous es triste?)

- Prometeu passeia entre nós – ele diz, como se o segredo do mundo estivesse ao alcance de seus dedos.

(Parce que je suis triste)

Sopro em seu rosto uma lufada de fumaça. Ele ri. Seu riso tem uma duração sui generis, dissipa-se no meio do fumo. Alê esquece o filme pra se aproximar da gente. Somos apenas nós, garimpando nostalgias, como excêntricos escoteiros.

(I don’t know if i’m unhappy, because i’m not free, or if i’m not free because i’m not happy)

- Prometeu está entre nós – ele repete sua epifania, enquanto a gente se integra num único ritmo sob a mesma pena de reacender os últimos cigarros.

(Tu connais William Faulkner ?)

Alê traz algumas long necks. Aos poucos, flagrava seu olhar apagando indícios. Olhava pro céu, igual lobisomem. Aproximo-me. E uivamos os três para a lua que sangrava como uma chaga aberta no firmamento. Sobre sua superfície gigantesca, parcas e fúrias curtem uma trip, enquanto assistem ao trágico espetáculo do inevitável. Então choro, porque o fim é iminente. O último cigarro apaga-se, pondo fim ao nosso harmonioso ciclo.

(C'est un romancier que j'aime bien. Tu as lu Les Palmiers sauvages ?)

- Bruno. Meu pobre Bruno...

Durante toda aquela noite, Prometeu estivera entre nós, a fim de que tudo naquela noite se mantivesse fresco e pacífico, ritual de passagem vagabundo para outro dia. E lá está Belmondo, atirado ao chão, como convém aos marginais, rosto à luz itinerante de um sobejo de tabaco. Alê me beija.

- Você é minha Jean Seberg.

(C'est vraiment dégueulasse)

- E você, meu Poiccard.

(Qu'est ce qu'il a dit?)

À minha volta, tudo acabado e triste: garrafas no chão, Prometeu acorrentado, Bruno adormecido sobre seu sofá.

(Vous êtes vraiment une dégueulasse)

Resolvi nunca mais retornar àquela casa. E nunca mais voltei a fumar.

(Qu'est ce que c'est "dégueulasse"?)


Conto de autoria de Plynio Nava.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Pensando triste

Ando temente
Talvez demente!

Quem sabe o sol
Traz o calor
Para um amor
No arrebol.

Seria um pranto
Talvez encanto!

Que em uma vida
Vendo esta luz
Que o som seduz
Alma ferida.

Grito de fera
Uma quimera!

Seria a fonte
Essa lembrança
Sem esperança
Ou uma ponte?

Só abro a mente
E sigo em frente!

Não é de hoje
E nem foi ontem
Foi um desmonte
A dor no alforje.

Poema de Paola Rhoden que será publicado em Antologia na Ciudad de México - Janeiro de 2011.

Navegante

Navego por onde segue a calmaria...
Às vezes leme,
às vezes vela
e toda vez que vem a tempestade
me ancoro num ponto 'ausente.
Escarnecendo meus nós
por uma voz temente.


Navego por onde segue a calmaria...
Às vezes proa,
às vezes popa
E nessa calmaria eu navego...
Sigo a maré que me leva ao porto
onde minha letra desfaça tudo
que tange lúgubre.
E a calmaria segue...

Poema de Rosângela Ataíde.

Mitologias

Atropelados
Por tanto pressa
Foi nosso amor,
Foi nossa dor

Nas vastas vias
Congestionadas
De estreitas gentes
Em amargor

Nas mãos de Chronos
E devorando
Os próprios filhos,
Mitologias,

Enquanto guiam,
Entre Tifeus,
Titãs e cérberos
E vãs certezas,

Os próprios carros,
Os próprios medos
De sós ficarem
Sem posto ou carro,

Sem cargo ou farra,
Paralisadas
E engarrafadas
Nos vãos, semáforos

De uma avenida
Que só conduz
A inútil pressa
De quem perdeu

Há muito tempo
As mãos e o véu,
Úbere céu
Que nos atavam.

E agora assim
Sem nada mais
Que nos vincule
Sem canto ou messe

Para cantar,
Para ceifar
E que traduzam
Feroz vertigem,

Qualquer verdade,
Perdida herdade
Que nos acolha,
E nos recolha

De frio chão,
Procuro em vão
Por nós, velames,
Por quilha e amarras,

Velhas canções,
Arras, camões,
Canhões, guitarras
Num peito arcano

Que mesmo só
Sem vela e insano
Na estrada imensa
Insiste e canta.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

POEMAS DE ANDRI CARVÃO

FAVELA S.A

naquela vila
naquela viela
no fim da fila
lá na favela

nos becos
botecos
nas quebradas
bocadas
aos trancos
e barrancos
barracos
nos buracos
das enxurradas
das enchentes
e cheias
cheias de gentes
soterradas

é a vida
fecharam a entrada
da boca de fumo
do beco sem saída

não moro
no morro
me escondo
onde Judas perdeu as botas
no raio que o parta
na puta que o pariu
na casa do caralho
na casa do chapéu

fico no fundão
moro no fundão
vivo no fundão
sou do fundão
fundão da zona norte
fundão da zona oeste
fundão da zona sul
fundão da zona leste
fundão da sala de aula
fundão do busão

no âmago da alma
do fundo do coração
no fundo do poço
no fundo no fundo
no fim do túnel
no fim do mundo
no cu do mundo

NÃO

logo ali ao lado
lá longe
do outro lado de lá
no cu do Judas

mundo perdido
tudo fodido

na fossa
no fosso
na poça
no poço

no fundo do poço
entre dejetos fetais
cicranos beltranos fulanos de tais
quais
quer +
despojos expurgos
excretos concretos
infelizes fétidos
boatos discretos
secretos

sem destino
na multidão
sem sentido
na solidão

em meio
ao devaneio
mera
quimera
doce ilusão
sem rumo
me arrumo
penico no pires
no ponto final do arco-íris
sem pote de ouro nem anão

(Pra lá de Bagdá
Pra lá de Bangladesh
Pra lá de Shangrillá
Pra lá de Marrakesh
Última partida
Ai de mim
Fim de linha
Dor sem fim!)


POEMAS MARÍTIMOS

Mensagem Engarrafada

O marulho do mar
O barulho do bar
O barulho do mar
O marulho do bar

Homem ao mar - náufrago
Garrafa ao mar - mensagem
Homem no bar - bêbado
Garrafa no bar - quebrada

Briga sobre o balcão
Entre sujeitos sujos
De vestes e de almas

Homem do mar - lobo do mar
Homem do bar - bebum do bar
Homem-mar / Homem-bar
Maresia / Bar & Cia.

Ar – Raro Efeito

Abrem brechas
Brisa branda

Breve brilho
Brumas brancas

Sobram sombras
Bravos abrolhos

Ressaca

Garrafa náufraga.
Rolha no gargalo.
Papiro amarelado.
Mensagem indecifrável.
“Liberte o Gênio.”

Letra ilegível.
Língua morta.
No rótulo “BEBA-ME!”
Mau Agouro levou seu olho.
Não seja ingênuo.

O gênio
Se acha
Mas não se encontra.

POEMAS DESCONJUNTADOS

Água2Zero


água natural
água mineral
água torneiral
água de beber
água molhada

água potável
água da fonte
água da bica
água de coco
água de colônia

água gaseificada
água doce
água salgada
água que passarinho não bebe
água oxigenada

água salobra
água cristalina
água tratada
água fresca
água filtrada

água pluvial
água fluvial
água rás
água viva
água-furtada

água líquida
água sólida
água gasosa
água insípida
inodora incolor

água na boca
água de batata
água turva
água benta
água do joelho

Carmen Miranda

banana prata
banana maçã
banana figo
banana da terra
banana frita
banana cozida
banana de pijama
banana d'água
banana ouro
banana pão
banana blue
banana boat
banana verde
banana madura
banana podre
banana nanica
banana de dinamite
banana split
banana pra você

Noz Moscada

nó de gravata
nó na garganta
nó de marinheiro
nó em pingo d'água

[pingo d'água
pouco d'água
copo d'água
cobra d'água]

nó cego
nó no serviço
nó bem dado
nó apertado
nó no peito
nó no nó

FIGURAS NAS NUVENS

Todas as Cores

amarelo com vermelho
uma fruta
vermelho com azul
uma flor
azul com amarelo
uma folha

a pomba
na teoria
o luto
na prática

vermelho com preto
a terra
vermelho com branco
outra flor

preto no branco
restos mortais

Uma Nuvem

avelu
mente
dada

dada
avelu
mente

dada
mente
avelu

mente
avelu
dada

avelu
dada
mente

O Duplo

as sombras
das nuvens
nas montanhas

o reflexo
das árvores
no riacho

o homem
sem reflexo
no espelho

o primata
sem sombra
no chão

puro espírito

a beleza
é terrível

ALGUNS HAIKAIS

Banquete dos Mendigos

Galinha preta
ao molho pardo
na encruzilhada.

Paradisíaco

praias desertas
horas incertas
mentes abertas

Nau

Navio pirata
Navio fantasma
Nau frágil

Você me Lava feito um Vulcão

Fogo na montanha
Lava no mar
Formações rochosas

O Náufrago

Canto de sereia
Cauda de baleia
Castelo de areia

Pretérito Imperfeito

Todo dia
O dia todo
O passado presente

GERAÇÕES EM CONFLITO

Geração Espontânea

Provo
o novo
ovo
do povo

Reprovo
o novo
ovo
do povo

Provo
e reprovo
o ovo

E desaprovo
o ovo
de novo

Geração X

guardei o rolex
no marmitex
passei lubrax
no jontex
enfiei tampax
no rex
cheguei ao clímax
no box
passei um fax
depois ajax
achei o max
o denorex
coloquei durepox
no duralex
passei durex
no sax
tirei xerox
do tex
jantei inox
com pirex
passei látex
no gálax
espirrei antrax
no fedex
e ganhei um tórax
mais sexy

A ALGUMAS QUADRAS DAQUI

o sorriso
amarelo
é um belo
aviso

na hora h
do dia d
a bomba h
no ponto g

gosto
do clima
de gustav
klimt

o sono
profundo
é o dono
do mundo

PÓ DE PIRLIMPIMPIM

aponta
a planta
na ponta
da ponte
e pinta
o poente
de pranto


se
sente as-
sim a-
cima do
sétimo
céu a-

quele
que
cai aos
ca-
cos no
caos do
chão de
cal

conta
e canta
quantos
plânctons
na planta

libélula lilás
belisca bétula

POEMAS LILIPUTIANOS

Fábula Verídica

Era uma vez
até que um dia
todos viveram felizes para sempre.

Sal na Lesma

A lesma passeia
construindo sua estrada
de diamantes
enquanto o encanto
inicial se esvai
no ralo sujo da memória.

A Mosca

A mosca tem várias visões do mundo
e eu não alcanço o seu ponto de vista.
E nem a avisto quando ela pisa fundo
e eu perco fácil fácil a sua pista


MADE IN PARAGUAY

charuto cubano
filosofia alemã
cinema americano
e a música brasileira

whisky escocês
tapete persa
perfume francês
e a seleção brasileira

porcelana chinesa
balé russo
tecnologia japonesa
e a mulher brasileira

VC

Você
liga a tevê
e
o quê
você

?

Você
desliga a tevê
e
o quê
você

?

Você
fecha os olhos e
o quê
você

?
Você
!

REQUIEM

Quando eu morrer
quero que queimem todos os meus escritos
em praça pública, caso eu for mais um.
Morto não sente mais dores.
Quando eu morrer
não quero flores e nem quero velas,
não em minhas roupas ou no meu caminho.
Morto não enxerga cores.

Quando eu morrer
quero que queimem todos os manuscritos
em casa mesmo, caso eu for famoso.
Morto não derrama lágrimas.
Quando eu morrer
não quero caixão e nem ser sepultado:
quero apenas o meu corpo atirado ao mar.
Morto não respira mais.

Quando eu morrer
não quero que paguem as minhas contas,
pois quem paga deve ser sempre o devedor.
Morto não deve um tostão.
Quando eu morrer
não quero que chorem no meu velório,
pois só se chora por dor ou por culpa.
Morto não pede perdão.

EU POR MIM

Eu não combino comigo
Eu não pertenço a mim
Eu não vejo nada em mim
Eu sou o meu maior inimigo

Eu não caso comigo
Eu não preciso de mim
Eu não caibo mais em mim
Eu sou o meu próprio castigo

Eu não colaboro comigo
Eu não choro por mim
Eu não sou páreo para mim
Eu sou um modernista antigo

Eu não pareço comigo
Eu não esqueço de mim
Eu não transito em mim
Eu sou do tamanho do meu umbigo

Eu não sonho comigo
Eu não me escondo de mim
Eu não vivo sem mim
Eu sou um fantasma com vitiligo

Eu não durmo comigo
Eu não estou preso a mim
Eu não separo meu eu de mim
Eu sou o medo e o perigo

Eu não encaixo comigo
Eu não sou tarado por mim
Eu não piso em mim
Eu sou a sombra que sigo

Eu não misturo comigo
Eu não fujo de mim
Eu não me espelho em mim
Eu sou o que sou e nem ligo

Eu não convivo comigo
Eu não me sustento em mim
Eu não me perco de mim
Eu sou tudo o que eu digo

Eu não aprendo comigo
Eu não sou o oposto de mim
Eu não estou acima de mim
Eu sou o joio e o trigo

INÉDITO HOJE

Saio da janela e ligo a tevê
Novela rural
Mudo de canal
Comercial
Mudo de canal
Programa musical
Mudo de canal
Entrevista banal
Mudo de canal
Infantil fecal
Mudo de canal
Mapa astral
Mudo de canal
Telejornal
Mudo de canal
Hino Nacional
Mudo de canal
Mundo animal
Desligo a tevê e volto à janela

VARIAÇÕES SOBRE A MESMA TEIMA

i.
Deitado na cama
fumando no escuro.
Sem coberta e com frio,
coberto e com calor.
Baforando zeros do vazio
interior.

ii.
Eu
no centro da capital
e o interior
dentro de mim.

iii.
O tédio do interior
ou o tédio da cidade?
O tédio é interior
no campo ou na cidade.

O tédio é solidão.
O tédio é multidão.

O tédio do interior
ou o tédio da cidade?
O tédio é interior
em qualquer localidade.

Na praia ou no deserto
tão longe, tão perto.


Autor: Andri Carvão.

Se Luminar

Se Luminar
mesmo em horas a fio
das que me sobrevém o pranto,
as que andas na contramão.
Se Luminar.

Iluminado o sorriso
torto
onde me encontro,
por quem me perco!

És Vida que sobrevive entre
tormentos...
Ultrapassa expectativas,
Supera as esperanças.

Se luminar!
Porquanto minhas reservas a ti
é puro encanto...
É amor de fato.
Penso meu corpo no teu pousado
deveras receptivo,
eterno aliado
...Nós dois vida afora enamorados!

Mas que não seja
vida afora e seja apenas
instante...
Ainda assim,
Se Luminar!

Poema de autoria de Rosângela Ataíde.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SEDUZIR



Um simples carinho
Que seduz o amanhecer
Leves toques
De prazer
Que só a estrela vai ver

Jasão e a sua riqueza

A riqueza do velocino de ouro
Ficará com os argonautas. Coro
De Netuno: o navegador Nestor,
Na beleza, desse tão hercúleo encargo;
À coragem dá-se um Teseu, calouro;
E ao lirismo, os dedos de Orfeu, um tesouro.

A viagem, a embarcação, de novo
Encoberta por um dragão nesse antro...
Vãos temores; adormecido o touro.
Semideuses a proteger um argo
Sustentando com mãos de ancoradouro
A fortuna de navegar seguro.


Poema de autoria de Yayá.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Um sábado e duas redes

Manézinho contemplou os olhos vermelhos de ódio e cachaça à sua frente,

estendeu a garrafa por cima do balcão e abasteceu aquele copo que parecia

sem fundo, saciando a sede peregrina de João Caboclo. Beberrão ele era,

mas naquele dia, embebedou-se diferente de todas as vezes: a fala

enrolada, mas a cabeça lúcida, quase não tombava, virava o copo e

lascava na ponta da faca, o pedaço de charque, que às vezes arremessava

pra cima e aparava com a boca. Algo estranho naquela sede ribeirinha, de

beber até o rio lá embaixo, se virasse aguardente. Mas o ardente mesmo

era o juízo dele, o dono da bodega, pastorando o último bêbado do sábado à

tarde, o banzo de fim de feira, a matutada voltando pros sítios, e ele

aturando um pau dágua esquisito, bom pagador e respeitador, mas só a

imagem de Elza, o que não foi e tantas possibilidades, fazia-o suportar

aquela besta fubana. Namoro de juventude, dez anos atrás, agora cruzavam-

-se na rua, o cumprimento constrangido da Elza recém–casada, virou

silêncio e olhar perturbado para um chão que nenhum dos dois enxergava,

embora vissem. A vergonha pelo que não fizeram, do desejo aspirado à

força bem para dentro, a roedeira terna e eterna, um sofrer fugidio e

pegajoso. E correu o tempo, aquilo ia queimando por baixo, feito fogo de

monturo; João Caboclo, rei da vaquejada, pequeno no tamanho, grande

na brabeza, melhor criador de gado gir das redondezas, cachaceiro emérito

de sábados e domingos, um pirralho a cada ano e nisso já se vão seis.

Desmerecia a esposa, tomando a prima Nicinha como amante, toda a

cidade já sabendo, apenas Elza se fazendo de doida; últimamente, aos

domingos, ia até a igreja acompanhada da pirralhada toda, o marido de

mundo afora, engolindo poeira e farejando aguardente. A Nicinha, boa

bisca, tinha namorado: Doca Faustino, um comerciante de miudezas,

magro, encurvado pela altura e pelo peso dos chifres, diziam as almas

sebosas, na tenda de Biu Barbeiro, entre uma meia–cabeleira e uma

costeleta pé-de-bode no capricho, igual á daquele gringo, Elvis Presley.

Aí os pensamentos de Manézinho fizeram um arco no espaço, feito ave de

arribação buscando rumo, aquela conversa sem fundo nem boca, um lero

–lero de encher até pneu de trem, que nem tinha pneu, olha só. Mas de

supetão, o pau d’ água debruçou-se no balcão e sussurrou, um bafo de

onça filho de todos os alambiques - segredo de bêbado também não tem

dono:

- Manézinho, hoje eu mando Doca Faustino pras profundas dos infernos,

pra derreter os chifres até dar um circuito no zumbi dele, porque corno não

tem alma...

Agora o encachaçado era Manézinho, sem cachaça nem nada, a

confidência entrou no ouvido e começou a dar canga pés, lá dentro do

juízo. A boca secou mas a curiosidade não, debruçou junto dele e

cutucou a onça:

- João, desculpe, não ouvi direito, você vai fazer o que, mesmo?

- Fazer o mundo mais maneiro, mandando Doca Faustino pro inferno,

porra!

Mais uma lapada de cana, outra virada, agora uma lasca de queijo de

coalho, puxou um bolo de dinheiro do bolso, pagou a conta, de gorjeta,

bem, pra que falar na gorjeta agora? Saiu, de cabeça baixa, a Rua do

Carvão estreita pra tanta brabeza movida à cana. Manézinho matutava,

João Caboclo era um bêbado completamente diferente, tombava mas

não conversava miolo de pote, mentira então, muito menos. Assuntou a

vida, olhando pra balança velha, o queijo ainda lá encima, olhou o

prato ainda reluzente por fora e já escuro por dentro. Viuvez à vista,

tiroteio á vista, Elza ainda gostosa, mesmo cheia de menino, aqueles

olhares constrangidos, relâmpagos de desejo mal-satisfeito? Ainda o

queria? Se aquele miserável não acabara com o corpo, a cabeça ainda

dava conta? E a humilhação, depois de tanta esfregação, juração de

amor e ainda fazer sua semente deitar à terra, um medo mais pra nojo que

medo, mesmo. Agora, seis filhos nas costas, a prima raparigando com

o esposo e .... E? Que a vida resolva suas próprias broncas, ele continuava

naquela solteirice viúva, vivendo com a irmã meio louca, na doidice de

ficar na janela da sala, acalentando o filho que só no pano e naquele fundo

destrambelho da cabeça existia. Foi invadido por um cansaço, embalado

no calor de janeiro, sentou num tamborete, escorou-se numas sacas de

feijão, o sono pegou–o de cheio mas desabou correndo de dentro dele,

com os gritos de Neco Gato, de braços abertos, segurando-se no portal,

anunciando que quase agora, no final da tarde, João Caboclo matou Doca

Faustino, e vice-versa, mais pra vice do que versa, pois João Caboclo

levou cinco tiros e só acertou dois, mas no coração de Doca. Manézinho

levantou-se, foi até à porta, olhou para o alto da ladeira da Rua do Carvão,

a tempo de ver duas redes ensangüentadas, transportadas lado a lado.

Os carregadores tentavam proteger o rosto do sol, os chapéus não ajudavam;

mesmo no final da tarde, o sol de janeiro ainda era uma fornalha ardente.


Conto de autoria de André Albuquerque.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Passeio sem rumo

Na praça

Vi uma florzinha resistindo à neve que arroxeava os lábios das crianças

Na rua

Vi um pássaro perdido nos galhos secos e chorosos de uma árvore branca

Nos homens

Não vi sorrisos, apenas esgares, caminhantes de rostos enregelados

Olhando o céu escuro

Sorri feliz por estar viva entre tantos pontos de luz envidraçados


Este poema é de autoria de Paola Rhoden, escrito por ela em dezembro de 2010 quando visitava o Salon du Livre onde será lançada uma Antologia da qual ela faz parte de 18 a 21 de março de 2011.

Fazedoras de filhos fracassadas





Kátia estava triste a passar roupa. Pensava na vida como que pisasse em cacos de vidro e fosse obrigada a engolir a seco o choro de dor. Sua fome de vida estava lhe trazendo conseqüências desagradáveis, dolorosas. Mãe de três filhos, cada um de um relacionamento diferente, e já grávida do quarto - após várias aventuras amorosas - voltava a viver sob as hospitalidades da amiga Noêmia que já havia a acolhido antes na gravidez do primeiro filho em sua casa na rua Aguapeí, no bairro Piam, em Belford Roxo. Kátia tinha sido sempre muito afoita em tudo. Muitos homens entre adolescentes, rapazes e até mesmo alguns senhores casados de todas as cores, idade, peso e altura já tinham sentido na pele do corpo inteiro sua ânsia por prazer intenso em fugidas, pegações, ficadas, noitadas e orgias entre uma batida de funk e uma roda de pagode; entre um copo de cerveja e um cálice de vinho; entre um e outro tapinha num cigarrinho de maconha. Mas como tudo tem seu preço quando o cuidado não faz parte da rotina de um ser-humano, ela agora esta ali... Sem trabalho, sem homem. Respirando o que não queria; comendo o que não queria; ouvindo o que não queria.



Noêmia teve que fugir de casa aos dezessete anos por causa da irmã mais velha que queria rasgar seu rosto com gilete, invejosa de sua beleza. Mas conheceu um homem bom e remediado que se casou com ela e lhe deu um nome, um lar e uma filha. Só que em seu casamento faltou o amor e uma pitada de paixão e com isso Noêmia numa bela tarde se descobriu traída pelo marido. Revoltada, se separou pondo-o para fora de casa. Então passou a aturar cobranças não só dos credores - já que o ex não lhe ajudava em um centavo - mas também do atual namorado que exigia uma relação mais séria e da filha que, já adolescente, crescia exigindo a presença do pai dentro de casa. Tudo isso além de criar o filho mais velho de Kátia.



Kátia e Noêmia agora estavam ali, passando roupa naquela casa velha; precisando de uma reforma. Com o telhado quase caindo em suas cabeças. Ouve-se um barulho de portão se abrindo; passos pela varanda. A porta se abre e naquela sala quente entra Verônica, comadre de Noêmia, acompanhada de seu jovem filho Marcelo, afilhado de Noêmia. O papo corre solto e animado até que Verônica fala da ex-cunhada Edilene. Outrora, Noêmia havia tomado conta de Miltinho, filho de Edilene, sobrinho de Verônica.



- Hum! Essa aí se deu bem, minha filha. - Dizia Verônica com sarcasmo e um pinguinho de inveja. Tá com seis filhos. Cada um de um homem diferente. Botou todos eles na justiça e hoje recebe pensão dos seis. Agora tá morando num casarão em Miguel Couto. A mordomia da nega é tanta que os filhos vão levar o café da manhã pra ela na cama. E você pensa que é café e pão com manteiga? Nada disso! É suco, frutas, queijo, presunto, geléia... Tudo na bandeija.



Ao ouvir aquilo, Noêmia deu um tapa no braço de Kátia que da sala a outra quase foi parar na cozinha.



- Tá vendo Kátia? - Perguntava a anfitriã numa fúria intolerante. - Tá vendo, sua fazedora de filho fracassada? Mulher que quer ser piranha tem que ser piranha esperta. Piranha burra fica é pastando pela casa dos outros igual você. Mulher burra tem mais é que tomar no c... pra deixar de ter o grelo no lugar do cérebro.



Marcelo caiu na gargalhada dada a teatralidade histrionicamente humilhadora do esbravejar da madrinha. Constrangida, Verônica começou a beliscar discretamente o filho para que parasse com as risadas.



- Deixa ele rir, Verônica! - Determinou Noêmia ao notar o embaraço da comadre. - Pode rir, Marcelo. Você está na minha casa.



Ao perceber a lágrima invisível que rolava no rosto de Kátia, Marcelo cessou o riso e, sentindo-se culpado, quase despencou da gargalhada escrachadamente histérica para o choro desesperadoramente comovido.



- Bom! Eu já vou indo. - Disse Verônica levantando e puxando Marcelo pelo braço. - Foi só uma visitinha rápida.

Ao sair pelo portão, Verônica assumiu uma aura de tristeza e indignação repreensiva.

- Noêmia não deveria tratar essa moça dessa forma. - Disse ao filho num monólogo inconsciente. - Ela se esquece de tudo que viveu. Ela se esquece que tem uma filha mulher dentro de casa.

Verônica andava pela rua com o olhar parado; misteriosamente distante como o olhar sedutoramente longinquo de uma mulher do Oriente. Marcelo, olhando-a parecia assistir ao filme invisível que passava diante das vistas austeramente melancólicas da mãe através de suas lembranças. Quando ela ajudou Noêmia a fugir da irmã. Neste filme a protagonista era a própria Verônica e as cenas eram dolorosamente cults. Seu pai proibindo-a de continuar seus estudos, ainda menina, para ajudar a mãe a cuidar da casa e tomar conta dos irmãos menores, já que ela era a mais velha de todos. As madrugadas em claro tendo que embalar o sono dos irmãos e tendo que esquentar o leite já que a mãe tinha que atender aos apelos grosseiramente amorosos do pai na fabricação de mais irmãozinhos. Os gritos dos irmãos e o roncar da cama dos pais eram a trilha sonora da infância daquela mulher; somado ao medo de dormir no meio da tarefa e ser despertada por uma surra de moer os ossos.

Na pausa para o intervalo, em frente à banca de jornal, lê na capa de revista de celebridades sobre a famosa socialite da zona sul que acordou numa luxuosíssima cobertura em París ao som de uma orquestra de violinos na manhã seguinte à noite em que disse ao marido, um poderoso empresário, que estava grávida. Isso remeteu-a há alguns anos atrás, num quartinho imundo e abafado do bairro Areia Branca, quando o até então namorado Joaquim arremessou um punhado de dinheiro em sua face para que fizesse o aborto ao saber de sua gravidez; e ela uma vez desobedecendo-o e tendo o filho, tendo que abandonar o emprego de enfermeira dois anos depois para se dedicar integralmente ao pequeno Marcelo, mediante as ameaças do já marido Joaquim de abandonar o lar.

A capa da revista remeteu-a também à casa dos pais de onde foi expulsa aos bofetões pelo pai que não queria uma filha mãe solteira dentro de casa. Ela tendo que se abrigar na casa da amiga Agripina, também grávida, e que mais tarde seria a mãe de leite de Marcelo. É. Se Eva soubesse que a conta que teria que pagar por ter dado o maldito fruto para Adão comer fosse tão alta, teria ela comido a própria serpente assada.

Quando passou em frente à padaria lembrou que tinha que comprar pão. Quando chegou no guichê uma voz melancolicamente doce chegou em seu ouvido como o canto de um anjo:

- Moça, compra uns doce pra me ajudá a dá de comer pros meus fio. É baratinho!!!

Uma bela, mas suja, esfarrapada e maltrapilha jovem negra lhe oferecia uma caixa de bananadas. Duas crianças pequenas e um bebê no seu colo choravam ensurdecedoramente de fome. Os olhos da jovem e das crianças inchados pela violência, desamparo e desesperança eram vários punhais pontiagudos cravados no peito de Verônica.

Marcio Rufino
Todos os direitos reservados

Crédito de imagem: site baixaki

SEIOS CÁLIDOS (Arnoldo Pimentel)



SEIOS CÁLIDOS
Autor: Arnoldo Pimentel (ventosnaprimavera.blogspot.com / haikainosventos.blogspot.com) 

Seios cálidos
Solitários
Como sombras sem holofotes
Como palavras soltas no vento
Suplicando por leves toques

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011


Busca

Busco a santíssima
E idolatrável amizade
Fumegante e carnal
Como a de Jônatas e Davi
No livro santo de Samuel
Que mesmo a morte
Não suplantou tanto ardor
E estima

Busco a amizade plena
Divinamente permitida
Divinamente concedida
E contemprâneamente
Deturpada.

Jorge Medeiros
(04-01-2011 - 01:01 h)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Saiu Mais Um Fresquinho De Mim.

Saiu mais um fresquinho de mim.....

Sabe
Às vezes fico queimado comigo mesmo
Não consigo pensar direito
Fico na espera, espera e de vez em quando surge algo
Parece que é uma luz no fim do túnel
Me aclarando as idéias
Me dando ânimo
Parece que vai sair algo da minha mente
E da máquina da vida
Vem uma imagem.
Eu me questiono
- Será que eles me compreenderão?
- Será que saberão o que vai na minha mente?
E de novo me avalio
- Sou poeta ou sou pensador?
- Atuo ou improviso na arte de pensar?
- Improviso ou realmente escrevo ensaios de mim mesmo?
- Você me lê ou me vaia o ser?
Eu quero é mais...
Quero é dar conta de que pensando
Sou mais um que ....
Solta as idéias no ar
E levando na palavra escrita
Meu ar da graça
De ser poeta em mim
Musicando as palavras
Rimando o ser
Com outro Ser Maior do que Eu mesmo....
E saiu.....
Cá está um texto a mais
Na coleção de meu livro roto....
Você me lê ou me copia?
Escreva....
Ensaie....
Baile....
Dance e deixe seu pensamento voar longe....
Se alegre em viver!!!!!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Janaína





Há anos eu não via Janaína. Ainda me lembrava muito bem daquela menina morena, alta, forte, tímida, triste, rechonchuda, complexada em seus óculos fundo de garrafa. Mas qual não foi minha surpresa quando vi aquele mulherão; charmosa; sexy, um olhar lascivo. Havia operado os olhos, casado, tido filho, descasado, casado novamente. O tempo havia lhe presenteado com uma desenvoltura, articulação e despreendimento de causar inveja a mais competente das relações públicas. Tinha acabado de sair de seu escritório. Tinha se tornado uma advogada. Trocamos e-mail, orkut, msn.

Minha mãe havia colocado uma causa na justiça envolvendo uma importante operadora de comunicação que havia cobrado taxas a mais de pagamento. Batido o martelo, decidiu-se que minha mãe teria direito apenas ao valor já gasto com as taxas pagas a mais. Ficamos indignados: "Ora! E os danos morais?" Decidi me esclarecer com minha amiga advogada Janaína pelo msn. Uma vez adicionados, aceitos e virtualmente reencontrados um ao outro, começamos. Na tela do computador, sua foto com um suave sorriso sarcástico e o mesmo olhar lascivo dava um clima sofisticada e discretamente sensual e brejeiro.

Eu: Minha amiga. Preciso de sua ajuda.

Janaína: Pode tc, meu querido.

Expliquei a situação.

Janaína: Eu vou falar com ela quando ela sair do banho.

Eu (assustado): Mas como? Se vc não é ela, vc é quem?

Janaína: Eu sou o marido dela.

Eu: Desculpe.

Janaína: Tudo bem.

Eu: O que vc faz da vida?

Ele me respondeu que era promotor de vendas justamente da operadora que estávamos em questão, em causa na justiça.

Janaína: Eu tenho alguns versinhos seus aqui comigo.

Eu: Como? Versinhos meus?

Janaína: Versinhos que vc me deu pra digitar na época da escola.

Eu: É vc Janaína?

Janaína: Sim, sou. Acabei de sair do banho.

Eu: Ah!

Janaína: Sabe que nunca fui a mesma desde aquele dia que vc desmanchou comigo pelo telefone.

Eu: Mas isso foi na época da escola. Eu já nem me lembrava mais disso.

Janaína: Eu quis te matar.

Eu: Que é isso, Janaína?! Seu marido pode ler isso.

Janaína Ele foi na casa da madrinha com um amigo.

Eu: Nós nunca daríamos certo.

Janaína: Porque a gente não dá uma saída pra tomar umas cervejas num bar?

Eu: Sim. Vamos sair pra tomar cerveja num bar qualquer da cidade. Que dia fica bom pra vc?

Janaína: Nenhum. Eu não bebo.

Eu: Vc tá brincando comigo, Janaína?

Janaína: A Janaína foi beber água. Aqui é o marido dela.

Cansei-me daquilo. Desliguei o computador. Na tela o mesmo reflexo do sorriso levemente debochado e do olhar lascivo.


(Marcio Rufino)

CATAVENTO (Silviah Carvalho e Arnoldo Pimentel)



CATAVENTO
Autores: Silviah Carvalho (Blog: umcoracaoqueama.blogspot.com   Site: www.silviah.net
              Arnoldo Pimentel (Blogs: ventosnaprimavera.blogspot.com  / haikainosventos.blogspot.com
                                           Site: arnoldopimentel.recantodasletras.com.br
 

Olhei o catavento
Catando o vento no litoral
Do meu tormento

...E o perfume
Inundou o ambiente
Colorindo os ventos
Com meu catavento

Semeando amor
Onde o amor era ausente
Trazendo vida ao coração
Descontente

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Ferocidade

Revela teu ódio
Nas grutas acústicas
De um peito ecoando
A dor da cascata
Sem fim desabando,
Mordendo na pedra
A própria desdita.
Vá! roto e precário
De tal desmazelo
Do choque imprevisto
Do escarro na esquina
Dos olhos cruéis
Que fazem tua cara
Cartaz luminoso,
Falácia venal,
Um palco de socos,
De chutes e murros,
De fera disputa
Por álcool e remédios,
Por roupa e alimento,
Por fogo e prazer
Nas sendas soturnas
Da grande cidade
Que encolhe miúdo
Teu corpo tão frágil
À sombra terrível
De atrozes gigantes.
“E agora, José?”
Cadê tua fala
Cadê teu discurso,
Teus pobres excursos
Qual asa ignota –
Voluta partida
Sem haste ou coluna?
Teu peito se ufana,
Mas pobre se infarta
Do que te enfatua,
Do que te enlouquece,
E logo enfastia,
Inútil cosmético,
Inútil doença...
Não tem mais a vida
Aquela beleza
Sensível das musas,
Das frágeis heróidas,
Carnívora flora!
E o que te envilece
É a penha estourada,
Floresta arrasada
Em ávido empório,
É a carne doméstica
À vida selvagem
Dos homens polidos
Jogada de súbito
Sem único aviso.
Por isso, velhaco,
Te fazes feroz
Entre hienas noturnas,
Felinos rapaces,
Que as presas espreitam
Ou sobras de açougues
Disputam famintas
Deixadas por feras
Maiores após
De todo fartarem-se.
Mas se nem entre hienas
Tu podes viver
Ou nem co’os chacais
Tu podes comer
De casca e couraça,
Então te revestes
Tal qual um tatu
Metido na toca
De um alto edifício
Com ratos e cobras.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

domingo, 9 de janeiro de 2011

TORRES


TORRES

Algumas torres derretem com o tempo
Talvez porque
O alicerce seja feito de insegurança
Ou elas próprias tocam o céu com insegurança

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Movimentanormalidade




Paranormal é um termo empregado para descrever as proposições de uma grande variedade de fenômenos supostamente anômalos ou estranhos ao conhecimento científico, mesmo se essa percepção for devida à ignorância.

Telúrio Nepomuceno começou a se interessar pelas artes plásticas ainda menino Na verdade as formas sempre lhe assombravam e seduziam desde quando se entendia por gente. Era ele um constante e ambulante assombro. Também, as coisas sempre conspiraram para que ele se surpreendesse assustadoramente com tudo.


Quando tinha dois anos estava no colo de sua mãe, no bairro de Areia Branca, em Belford Roxo, esperando o ônibus em frente ao bar, quando presenciou uma violenta discussão entre um bêbado e o dono do bar. O dono do bar mandou o bêbado para um certo lugar este o respondeu com uma navalhada no rosto. Telúrio só se lembra da sensação gostosa de querer lamber aquele suco de groselha que escoria do rosto do dono do bar. Mas sua mãe fugira dali apavorada com a cena.


Desde pequeno as formas causavam sensações deliciosas em Telúrio. Assim como quando passeava por Nova Iguaçu e via as obras em construção, os pedreiros trabalhando, os transeuntes passando e isso o remetia inconscientemente a tempos idos, quando ainda não existia quase nada e os artesões levantavam templos e palácios; os camponeses aravam a terra e a defendiam da seca e os deuses passeavam entre os humanos. Os desenhos animados, as figuras lhe acendiam uma certeza incrível de também ser figura. Ainda mais quando seus sentimentos correspondiam a sentimentos de personagens de ficção. E a descoberta do primeiro amigo; da primeira namoradinha; do primeiro choque.


Primeiro choque?


Sim primeiro choque humanamente elétrico. Ele tinha treze anos. Estava brincando de esconde-esconde e ouviu sem querer de uma vizinha:


- Coitadinho do Telurinho. Mal sabe ele que é filho do próprio avô. O finado Aurélio, que o diabo o tenha num péssimo lugar, aquele cão danado, abusava da pobrezinha da própria filha.


Foi aí que Telúrio descobriu que a pior e maior eletricidade é aquela que existe dentro do próprio corpo. Ele saiu do esconderijo, expôs a sua figura e seu amigo bateu no poste três vezes.


- Agora ta contigo, Telúrio!


Ele não se importou, pois de agora em diante sempre estaria com ele. Não só nos esconde-escondes, mas principalmente nos revela-revelas da vida.


As formas de tudo tomavam uma outra perspectiva para Telurinho. É como se formasse um mosaico além de tudo que lhe rodeava e ele visse tudo ao mesmo tempo. Era algo mais incrível do que a paranormalidade. Era a movimentanormalidade.


A movimentanormalidade era a verdadeira desobediência às convenções, pois rompia com todos os limites das formas sensíveis, sem precisar de nenhuma droga. Era a certeza, a descoberta, a consciência de que nada é lindo ou horroroso; perfeito ou defeituoso; virtuoso ou promíscuo que desencadeava sua manifestação. Isso fazia Telúrio olhar para as loja, os comércios, as casas e saber o que se passava lá dentro sem precisar entrar. E assim era com as pessoas. E assim ele descobriu os homens que pensavam dominar suas mulheres, mas eram por elas manipulados;descobriu as mulheres que pensavam seduzir seus homens, mas eram traídas e abandonadas por elas mesmas; descobria as crianças que provocavam seus próprios abusos para destruir e reinar; descobria os falsos idosos que fingiam ter pena de si próprios para iludir e sugar energias numa vampirística hipnose. E então ele descobriu que as formas internas, muito mais que abstratas e agressivas, eram muito mais poderosas e lhe devoravam num ritual pseudo-antropofágico.


Telúrio então cresceu acariciando e apalpando tudo que lhe era apresentado. Bichos, plantas, objetos, até pessoas. Era muito mal interpretado. Muitas vezes já foi até agredido fisicamente, pois a movimentanormalidade provoca impulsos contínuos e intensos que não cabem na razão humana.


Ele chegava no quintal de sua casa depois da chuva e pegava o barro molhado e amassava e moldava. Fazia também assim com jornais e revistas velhos. Formava pessoas, bichos, objetos, universos. Chegou às suas próprias conclusões de tudo e do nada com a movimentanormalidade. Ousou pensar tudo a partir de si mesmo.


Marcio Rufino
Todos os direitos reservados

Créditos de imagem: Site Baixaki

Sacerdotisa...

SENNA



A humilhação é insistente e desde sempre me atormenta.
Mas sou dura na queda!...
Não permito-me ser submissa...
Não me faço de vítima, sou indomável!

A vida me apresentou pessoas vaidosas
Pessoas orgulhosas, cheias de si.
Tentando fazer a todo instante, com que eu me achasse sem valia...
Pessoas teóricas e frias. - eu sou mulher de prática, de emoção, de fantasia!

Não aceito humilhação. Embora algumas vezes,
A mesma me confronte, me encare, me desafie!
Mas não sou fraca, sou idealista.
Sou Minha Alquimista.

Em dias insípidos, busco o agridoce.
Em dias cortantes, faço-me flexível.
Em dias frios, visto-me de sol.
Em dias sem paixão, não adianta, perco o ímpeto!

Entro em crise na esfera coração!
Busco sinceridade e dou de cara com a soberba.
Sou feliz um dia. E os outros não!
Tenho tudo! Mas não tenho nada!

Será que a vida para mim já basta!
Que mistério é esse?
Indago...
Quero colher o fruto, mas ele nunca está maduro.

Está tudo errado!
O meu passado...
O meu presente.
O futuro não se mostra, quero apenas uma simplória resposta.

Sei que tenho a marca,
Sei que tenho o dom,
Sei que sou sacerdotisa,
Mas estão brincando de pique esconde comigo!

Sou de carne e osso, à espera do alvoroço.
Sou de sangue e vida, à espera da quimera.
Sagrada e desejada é a paz para mim!...
Tenho-a tatuado em meu corpo, ela sim! Deixo-me possuir!


((( Camila Senna )))



quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

SÃO LOURENÇO



SÃO LOURENÇO

Seria apenas um último olhar
Talvez com um pouco de tristeza
De incerteza
Mas um último e profundo olhar
E tudo então ficaria ali

Depois seria só olhar pra frente e caminhar
Acreditar que depois do deserto há um Oasis a esperar
Na bagagem apenas um jeans desbotado
Um sonho para ser alcançado
Um projeto de vida inacabado

Mas as lembranças ainda estarão nos olhos
No rosto marcado pelo sabor amargo
De nunca ter tido ninguém ao seu lado

As noites serão ao relento
Sonhará com a voz meiga e doce
Que toca seus ouvidos e seu coração
Nas noites de São Lourenço
E vinha pelo vento do pensamento
Eternizava cada momento

Era a estrela no deserto a lhe tocar
Pedindo todo amor que tinha para dar
Era o Oasis que precisava encontrar

Seria apenas um último olhar
Um deserto para atravessar
Um Oasis a lhe esperar
Um sonho para acreditar
Sem ter medo de outra vez
No meio do vento
Naufragar





A noite de São Lourenço é quando se vê o maior número de estrelas na Itália, conhecida como a noite mais romântica de todas e muitas pessoas vão a Toscana para ver a chuva de estrelas cadentes e fazer um pedido, realizar o sonho de felicidade.

Tempo

O tempo tece a sua trama
Devagar, promissora
E imperceptível
Somos trabalhados pelo tempo
Não sei até onde vou
Ou até onde posso ir
Penso e falo puerilidades
...
As verdades são perigosas
Criam muros altos
Felizes os que possuem
Verdades
Estão protegidos por muralhas.

Jorge Medeiros

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vai...

senna


Vai!... vai!... Deixo-te ir...
Ir miudinho pela estrada além.
O que fazer? - Se tudo na vida,
Tem dia e hora para acontecer!

Vai!... vai!... Deixo-te ir...
Sempre lembrarei com carinho...
Dos dias de sol forte que ao entardecer,
Caía chuva gelada que nos enchia de brasa.

Vai!...vai!... Deixo-te ir...
Não importa em que braços estará agora!
Importa que um dia esteve nos meus.
Sei que carrega nos seus lábios, meus beijos quentes e apaixonados.

Vai!...vai!... Deixo-te ir...
Não é anjo, mas foi em mim, querubim...
A visão que guardo de ti, é de céu bem azulado,
Da pele mais alva e aveludada que já senti.

Vai!...vai!... Deixo-te ir...
Quem disse que era meu?
- Me foi emprestado para me fazer feliz!
- Hoje devolvo ao regaço, para os braços duma outra infeliz.

Vai!...vai!.. Deixo-te ir...
Ser encantado que veio ao mundo só para me ver...
Para ser o bem que todo mal quer ter.
Onda do mar que veio e se foi, deixando em minha boca: “o gosto do sal visceral”.

Vai!... vai!... Deixo-te ir...



(((Camila Senna )))


Manhattan Tower















Manhattan Tower, 89,
Tu te ergues
Poderoso e colossal
Da Avenida Rio Branco
Ante súditos de asfalto e carne,
De cimento e aço.
Templo de gravatas e sapatos,
De pastas e investimentos,
É em ti que acionistas
E investidores divertem-se
Disputando cifras,
Em meio às oscilações do mercado,
Vaticinando lucros,
Diante das taxas de juros
Do FED e dos BCs,
Depreciando mercados
E economias,
Ante os humores cambiais,
A despeito de fé, crença
Ou de qualquer drama familiar,
Enquanto compramos
O sagrado pão de cada dia.
Tu, que não és um,
Que não és único
Mas inumerável
Mundo afora,
Geração fustigada pelo vento,
Fragas que se atiram contra os céus,
Clarão envidraçado
De aço e de alumínio
A refletir,
Em mil centelhas,
A luz ligeira
De Xangai, Taipei,
Chicago, Kuala Lumpur,
Hong Kong e Nova Iorque,
Burj Khalifa, Willis Tower,
Taipei 101, Petronas Towers,
Central Plaza,
Empire State Building,
Titã coruscante,
Contemplas vítreo e concreto
Teu irmão
De ponteiros e horas indecifráveis
Em direção ao qual, da Avenida,
Todos os olhos se lançam
Aflitos ou indiferentes.
Irmão que, por sua vez,
Encara firme e altivo
O pai cansado de exploração
A contemplar mudo
Os detritos da baía,
A fração inumana das gentes
Pelas ruas e becos...
Ó Irmãos ingentes,
Filhos de um gigante –
Ó Família excelsa
De concreto e laje,
Há carne imunda e fétida
Que se espreme, em vão,
Sob tuas marquises
Contra o frio e a chuva
De teus prognósticos,
Enquanto de vós,
Bem protegidas,
Retinas assustadas
Buscam saudosas
As Torres de outrora,
Consolam-se
Entre álcool e aspirinas,
Em meio a céus
Rasgados de gritos
E WTCs,
De precipícios
E cimitarras chamejantes,
Enquanto buzinas e sirenes
Vaticinam pavores,
Sinistros augúrios
Avenida afora;
Consolam-se,
Entre destroços
De um firmamento estilhaçado,
Com aqueles antigos versos
Que diziam:
“Porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan...”
Enquanto o tráfego e a baía
Refletem ardis
E o mudo perigo que espreita.

Felipe Mendonça -
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