Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Odes ao Pó



Ode ao Pó volume 1


Pó de Poesia
Pode a poesia
Fode, poesia
Voz da poesia
venha sobre nós
Lenha nos fogões
Fogo nos porões
fervem o caldo 
do bombocado
Aconchego, chá 
de Guapi
até Tinguá 
de Itaguaí
a Mauá
de aleluia
a ijexá
dos Anjos
aos Orixás
Hosana
Allah Akbar
Tudo pode
na palavra
Pó de palavra
Pó de poema
Pode poesia.



Ode ao Pó volume 2


Num ato inclassificável
Luz divina
Luz de origem mina
vem da terra
e desvirgina
nossos pais
nossos avós
E faz pós de
...poesia
espalhados por
todos os
lados faz
biscoitos pós
modernos
recheio creme
de menta
Enquanto a
Ivone Landin
inventa outro
vento pra
espalhar o pó
de poesia que
tudo pode...

Jorge Cardozo

domingo, 28 de outubro de 2012

"Abstract & free - o cunho da arte pura"

as mãos

as árvores tensas de vento
manchas verde seco que invadem bairros de pó
as árvores nascentes
que são mães de sol para o dia
pernas de mundo e sonho
ágeis e voláteis
tudo são mãos
o deus do dia é também pincel na tela
colorida louca suja ténue
a rua está suja de tinta como o coração
dos lamentos das pedras
pincela tempos forma a forma
os segundos são árvores
manchas verde sempre seco pairadas no calor
de asfaltos calcados pelos momentos
do sol

os rostos

têm pontos por onde passa o tempo
têm vozes rasgadas no espaço
que cantam a saudade e a cidade
têm medo da morte dos impulsos
harmónicos da dança das sombras
observa e vê rostos limpos
do suor dos minutos minimalistas
metálicos e fáceis duros e intensos
têm estórias por contar que o silêncio
não perdoa
que significa isso
pergunta o céu e o vagabundo
são mapas sem razão
fundidos no fel das horas infiéis
passam por nós como multidões
sem condão nem enredo

os vazios

são asas
e ramos sem dança
casas derrotadas
coxas sem passos
são rimas sem pontos
sonetos sem almas nuas
criança sem horizonte
e estrelas sem infinito
sons sem fagote
jazz sem membros
mas também cores
de Rothko e Pollock
com o Grito de Munch
junto com as nossas quietudes
habitadas e seguras

as artes

mulheres e varandas inclinadas
prédios de traça melancólica
sujeitos a leis de abstracção e liberdade
relvas enxutas de cor de outras estações
pedestais de esquecimento
contra o cinzento dos muros
pintados a spray soprado pelo mar
com vontades etéreas
homens em fatos coloridos e gravatas tristes
e sapatos orgânicos
cães e ruínas
tangos e madrugadas
poemas despidos de noite
esquinas e outras dimensões
bibliotecas esguias eternas santas polidas amantes
corredores sem tecto
onde se espreita os labores incomuns


tudo é uma arte desmedida e fervilhante
um centro de arte moderna quotidiano
pinturas sem vírgulas e documentários sem fundo
tudo existe abstracto & livre como os caminhos
e os acordes marinhos do tempo sinfónico
as harmonias e os ritmos das gentes

(Ago. 12)



Poema de Carlos Teixeira Luís



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sábado, 27 de outubro de 2012

É o que parece


A Antônio Cícero e Letícia Valentim

É o que parece,
Por isso tantos conflitos,
Tantos gritos e ritos,
Teogonias e preces.

Por isso tantas crenças,
A História e o Tempo,
A voz de Deus
Onde há somente
O sussurro do vento.

É o que parece,
Por isso este poema
Contra a voz cartesiana,
Contra todo sistema
Que nos engana.

Por isso este poema,
Que também será esquema
Propenso ao erro,
Se apenas for
Aquilo com o qual quer parecer-se
Mas com ele não se parecer.

Por isso tantas formas,
O anseio por ordem,
O ilusório encanto da norma,
O canto e as essências
Onde só há aparência.

É o que parece.
E não há
Como ser diferente.
É a virtude
Ou engano da mente.
O que se diz e ilude,
É o interminável museu
Dos discursos do eu.

E o que ouvi
De mais bonito
Foi uma criança dizer,
Após muito contar,
Que depois do mil
Só há o infinito.

É o que parece.
E malgrado
Alguém dissesse:
“Tudo é!”
Não estaria mentindo;
Tudo é!
E com isso se parece.

Não há como dizer
O que é o ser
E entre o que digo ser
E como aos outros me pareço
Vivo e desapareço.

É o que parece
E só ao dizê-lo
Já me traio
Pela linguagem
E mergulho
Nessa imensa viagem

De querer dizer tudo:
O que, efeméride,
Ganha breve aspecto,
Surge e desaparece,

O que não ganha tempo
Para dizer-se
Sequer coisa ou ser,
O que resplandece
Para logo perecer,

Tudo que com a vida
Se parece e que deixa
De com ela parecer-se
Quando se torna
Discurso, regra ou prece.

Tudo que é
E se torna
Uma outra natureza,
Dura empresa
Que a vida
Não mais reconhece.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Tratado de relacionamentos eficazes

“O meu corpo é de argila, estou vivo e aceito o dia.” António Ramos Rosa (corpo de argila», de volante verde, 1986)

--


Porque não me ouves antes de te ouvires?

Porque me cedes a morte como um sono e me cravejas cerejas de tempestade todas as noites?

Porque não falas antes de o dia se entreparar em luz e movimento? 

Porque estropias o sentimento antes de ele amadurecer conciso e arrumado?

Porque ressonas Wagner em vez de me acalantares doces e reticulas doses de mel?

Ressoas como uma cavernícola intempérie de mares históricos?

Penso que sim, ou não, diz-me?

Nobre lusíada, não és ninfa de silêncio nem ilha perdida de atlântida lembrada, nem areia oceânica mitológica, então que és, pura, doce e lânguida?

Porque me gritas sem gesto nem medo de me perderes no vão dos caminhos?

Porque me assedias e despes para me dissecares em vida nervo a nervo, semente a semente de rogo dorido?

Falo sem me ouvires, grosso teatro do absurdo, e porque lamentas o acto ríspido e insular de me ir embora?

25 Out. 2012 



Autor: Carlos Teixeira Luís

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Curupira




Nunca fui homem de adentrar matas virgens,
Mas em mim já cresceram todas as matas devastadas possíveis
Matas essas que me amendrontavam quando menino
E hoje as enfrento com tesão e ousadia de caçador feroz-felino.
Será que o menino em mim morreu?
Ou será que nasceu outro menino?
Será que ele ficou valente?
Será que ele descobriu que a terra
Não passa de enrosco de paraíso com inferno na gente?
Ele dança como vaga-lume;
Canta como cigarra;
Se excita com as picadas das mutucas;
Sente o atrevimento dos instintos das árvores e suas diretrizes;
Se alimenta vorazmente de carne crua, capim e raízes;
Se banha na embriaguez do curso das águas;
Se compadece do canto triste das aves notívagas...
E suas mágoas;
Se perde nas pegadas tortuosas e confusas do Curupira.
Ele deseja em sua pele verde tocar.
Acariciar seus cabelos de fogo sem medo de se queimar.
Sim.
Sua urbanidade o agride, enoja e desencanta.
A postura? O emprego? O papel na sociedade?
Tudo mentira!
Ele quer ser o poderoso Nada!
Ele quer ser a brisa da Mata!
Melhor amigo dos macacos.
Ele quer montar na garupa do porco do mato.
E dentro dos olhos guardiões do Curupira,
Conjugar na oração da língua da natureza
O seu mais incisivo e efêmero hiato.
Marcio Rufino

o que permanece prece...

um júri de anjos embriagados há de vir
separar uma lágrima da outra
no guardado de meus olhos

a campainha tocará intuitiva anunciando
com a frequência de um amigo íntimo
percorrendo o ar como garoa
sussurrando o breu
o revirado da veste
arrancará do beco a hóstia

há de tirar da boca teu nome
o delírio dos sinos, dos poetas
partirá como boa porcelana

como um pedaço de rua inundado
onde os deuses temem pisar
e mortos de fome integram-se

deixará ir o que escuta o verbo
o que nunca tocou a caneta ou papel
e cresce... onde acaba
... o que permanece prece



Poema de Vânia Lopez

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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

ALMA INQUIETA



Quem vai salvar minha alma agora
nos caminhos tortuosos e sombrios
nos becos escuros e sem saída
nos passos perdidos a esmo?

Minha alma clama liberdade
chama pela fé que acalma o espírito
Mas como suportar esse torpor
essa coisa quente correndo nas veias?

Mas como suportar esse batimento acelerado
essa nuvens que cobrem minha retina
esse tremor nas mãos nuas e frias
essa destemperada aflição que me preenche?

Como suportar esse vazio de vida
essa busca de algo inexistente
esse querer que não se define
essa prisão que oprime?

Quem vai salvar minha alma agora
se desde que me entendo no mundo
essa solidão no peito me devora
e esse grito preso não quer se calar?

Onde encontrar um abrigo farto
um afeto que seja puro e exato
na medida certa para o meu desejo
em braços que acolham sem medidas?

Quem vai salvar minha alma agora
enquanto o silêncio se resguarda
em palavras não pronunciadas e omissas
enquanto o corpo pede mais espaço?

No chão de cimento e pedras
calejo meus pés sem descanso
Na ternura não encontro meu remanso
nem nas noites que se erguem como sombras

Meu corpo adormece no cansaço das horas
ao sono me entrego sem resistência
Tomara este possa acalmar a inquietude
em meu coração de sal e sangue


Ianê Mello


*Desenho de ERIKA KUHN


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http://labirintosdaalma.blogspot.com.br/

sábado, 20 de outubro de 2012

sete mini-coisemas

I

sempre perco meu isqueiro:
por certo que sumiu no ar
ou então o mundo inteiro
quer que eu pare de fumar

II

por qualquer deserto
que me erme
a epiderme
e germine
o germe
de ler-me

III

o que pensar do outono
que não as folhas
caindo de sono?

IV

não sobra ao verso triste
qualquer tristeza de poeta
o sorriso escrito à lápis
é laivo do que não existe

vestígios de um crime iletrado,
os versos não fazem um poema
é cheiro vago de algum perfume
impossível de ser aspirado

V

porei pares de pérolas em piras 
e porões para pirar os piratas 
puritanos e parentes do paraíso

VI

assobio no ar -
sinal de que o vento
não pode falar


trova-língua

breve trova que trava na língua
prova breve que trava na trova
trova a trava que trinca na prova
trívia é trova que trava na trave
troco trovas por travos e provas
trinco trocos em travas e trovas
trago tudo e em troca trovo


Autor: Caíto

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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Cansaço II

lendo um artigo de jornal
tem guerra à vista na mesa

sangue nos campos de trigo
a pureza é efeito do cal

cocaína no colo da princesa
coca-cola na boca do mendigo

morre uma estrela sem valor
e logo se aumenta o volume

nova mente ao seu dispor
um peixe a mais no cardume

mas o absurdo não é maior
que esse velho costume

de poder vender perfume
só com uma foto no outdoor


Autor: Acento Agudo

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"cético,"

pressuposto ensaio de vendas
às serdas locadas por inclinação
qual cor em evidência, convulsão
até.. cena.. linha controlada, apenas

ah,

papel indolor.. digital, víl acesso
tipo em registro de controle irreal
tão.. tarde! a amparar este acto primal
refém, desdito, postulado, imerso..

de ti,

à parede em reticência e ao corte
minha magdalena de tiras, meu contraste
minha perna de ar.. asa da fé, outra parte
breve, criada, se for.. infinda. laço-consorte

ora,

casual repente destoado e consumido
ata de cartas em chamas por não-acervo
às completas premissas de um ar rarefeito
teu nome grifado e inventado,(ainda:) tão lido..

e,

jaz esta lua carregada de ilusões depostas
às praças encimadas de cada caso que te trazem
minhas tragédias evitadas em comum-margem..
..e jaz este posto-refém, tal olho que te olha..











à minha mentira preferida:

tal sopro em ilusão aparte de qualquer imagem
à incisão por reflexo em catálogo perante este fim
esta culpa da tua nuca que me detém o inferno(inteiro..)

ah, eu..

deveria roubar-te ao meio-dia
onde o grito da minha cura te curaria também
onde o conto desta carne não me denomina
nem,
me detém.









um terço em prece de custos.
um outro livro de(teses e.) aproximação..


(..e ainda me seria.)



Poema de Azke

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ciclos




Beije-me, mas sem milagres.
Fale-me, mas sem imagens.
São poucas coisas que nos concernem e por isso são indeléveis.
Sussurre em nossa gula, criemos uma melodia partida.
É da sua fadiga que me ama aos toques e com sua guarida o êxtase último.
Ponha-me dentro de sua voz, repita o querer dos nós.
Da infidelidade dialética sairemos salvos em nossas contradições.
Subverta-me sem parcimônia acalme meus pesadelos com seus laços.
Deixemos a perfeição caótica para aqueles que nos despem sem tocar.
Ontem desacreditei, hoje subjugo cada gota do meu suor em sua fronte.
Beije-me rosa e não aceite a morte de suas pétalas.
Beije-me que amanhã saberei dizer o que fiz da vida além retórica.
Abre-me rosa a sua vírgula que vencido, saberei o que é eterno.
  Rodrigo Passos

domingo, 14 de outubro de 2012

sophia

não há génios. nada me dizem as palavras quando de costas para a realidade – todo aquele que trabalha à procura da palavra mais-que-perfeita. sofre – escrevo acoberto de paredes brancas. tudo é branco. tudo menos a abertura da janela. dos olhos – entre o olhar e a luz uma maçã enorme. vermelha e imóvel brilha no tampo da mesa – na parede o reflexo distorce a verdade – sombra – duas realidades. dois tamanhos para um só objecto – na janela o caixilho quadrado guarda um mundo que se quer azul oceano. encoberto por um tule feito a ponto cruz. um círculo sem princípio nem fim. transparente – tudo o que é mar é brilho. tudo menos os barcos à vela pousados num horizonte que a cor dos olhos desconhece – presas ao caixilho quadrado também as gaivotas voam em círculo – às mãos o trabalho. aos olhos a contemplação. ao coração o sentimento – como artesão. de sol a sol. procuro nas palavras o fabrico do belo. faço-o num silêncio aflito que por ser só meu ninguém sabe que existe – há neste escrever “uma felicidade irrecusável. nua e inteira” 

*dedicado a sophia mello breyner 


nota de autor:

sofhia mello breyner aquando do seu discurso de 11 de julho de 1964. na sociedade portuguesa de escritores. na entrega do grande prémio de poesia à sua obra livro sexto:

“A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima duma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. Eu também a reconheci, intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeu de Souza Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.”


Autor: Sampaio Rego

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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

M.A

foi preso ontem em flagrante
roubando meu equilíbrio interior
um par de sapatos Gucci
esvaziando meu antídoto para você
na boca mentiras letais como balas
contaminando o silencio da violeta
levava consigo meu brilho incrustado em sua sombra
ameaçando vibrar as paredes e as tardes
pelos olhares quietos
tentando escapar inteiro (pela metade)
como eterno fugitivo em meus braços...

tem o direito de ficar calado...
tem o direito a um advogado...

(só espere até minha mãe saber...)


Poema de Vânia Lopez

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Simples



preparem suas iscas
suas faíscas
aqui estou eu
boa bisca
que arrisca
petisca
belisca
mordisca
teu gordo traseiro
no formigueiro
aqui estou eu
fagueiro
na
fogueira
caçando
pé-de-vento
catando
pó na venta
do
bicho-da-seda
aqui estou eu
toda leda !

Felipe Rey

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

&

ou o e comercial & a parceria de 2 versos

atirei-me para aqui em vida & nada mais do que apenas existir

jornal & chinelos

salsichas vinho & aguardente

a melancolia dos bairros

cães gatos & velhas

sombras nuas em vestidos com flores & rabanetes no cabelo

salamaleques no poema e muitos sorrisos & corpos que se perfumam em carne mutuamente

atirei-me do 7º andar do poema & já ia aleijado

não percebo nada disto & ainda aqui estou

todo o poema em duplo de nada sentido com E comercial ou &

fim do poema & fim do sentido

cachaça & gelo

mulher & o fim de tarde estendido mas não como um lençol

a morte & os impostos bateram à porta e não atendi, conduziam um ford capri dos anos setenta e foram espancados à saída do prédio por um grupo de fedelhos

noite & silêncio – uma dupla divina

set. & 2012



Poema de Carlos Teixeira Luís

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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Cansaço I

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perdoem o silêncio do inimigo
abafado pelos gritos no pódio;

as donzelas não correm perigo:
voltarão no próximo episódio.

permitam que eu saia sozinho,
relevem os passos no escuro;

não há, meus filhos, futuro
se o monstro é só um moinho.

o que achava ser um gigante
não passa de pedra de afiar:

eis que o cavaleiro andante
não tem mais por onde andar.

resta ao cavaleiro uma moto,
meias-frases no lábio rasgado,

na mente um controle remoto
e um bom sorriso desfigurado.
Autor: Acento

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

[...e tantas são as auroras por onde se espraia o sol


e tantas são as auroras por onde se espraia o sol,
quão perto o sorriso teu acorda orquídeas adormecidas.

Mira aqueles pássaros que migram noutros céus,
em viagens sem regressos,
olvidam-se as dores que escurecem tardes.
Fala-me do amar, fala-me desta morfina que resiste,
que esconde sílabas, silêncios, distâncias,
afasta-a de mim.

[… e quando o mar me envolve, resto-me como náufrago,
qual perene é o murmúrio, mor o sussurro relembrado …]

E no ocaso que se aproxima neste páramo meu,
por onde me morro, 
recolhe-me,

apenas.


Poema de Ricardo Pocinho

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TECITURA DE PALAVRAS




As palavras se perderam no vácuo
como se perdem os afetos mal cuidados
como se perdem os amores mal vividos
como se perdem os sonhos abandonados

As palavras se perderam no vácuo
e em seu lugar um vazio tamanho
sentimentos que não encontram expressão
onde o silêncio toma formas assustadoras

Onde estarão as palavras?
Palavras que não se mostram
omissas em sentires obscuros
perdidas em ternuras escondidas

Palavras difusas
Palavras cortantes
Palavras amáveis
Palavras indóceis

Palavras sentidas
Palavras confusas
Palavras vibrantes
Palavras profusas

Aguardo, nas entrelinhas adormecida
a palavra que de súbito me tome
e de mim se aposse com vontade
presa fácil em sua teia de veludo


Ianê Mello

(06.10.12)


Ler mais:


domingo, 7 de outubro de 2012




no mesmo instante

em que

homens escolhem

...

seus

futuros senhores

outros

buscam a senha

do prato

de sopa fria

do pão dormido

da imutável sina

da vida quase não


Nydia Bonetti

apalavrar

Há uma agitação dentro do corpo. os órgãos reclamam liberdade às palavras – não sei se alguma vez serei capaz de largar as palavras das mãos sem perceber o que cada uma de mim leva – tenho medo. tenho muito medo das palavras – há tanta coisa que desconheço das palavras. são sempre tão complicadas. difíceis. problemáticas. com tantos sinónimos. a dizer tanta coisa ao mesmo tempo – as palavras amedrontam-me. assustam-me. como quando ouço o vento norte. anuncia sempre mau tempo e o bater das portas não pára. e vão para lá e vêm para cá. e o corpo sem saber o que entra ou sai – sempre que as palavras partem deixo o olhar fixo à procura de ouvidos que as queiram colher. como se colhe o centeio da terra que mata a fome às bocas – e o medo é um novo adamastor feito de palavras que partem com tudo o que é meu. e o corpo em mar navega com terra à vista. em desassossego. inquieto. receoso afunila a esperança para quem as quer colher: adopta. não adopta – há certezas que desaparecem entre a boca e o corpo de quem escuta. e na caverna auditiva o monstro aparta as palavras. boa. má. boa. má. e tudo é diferente para sempre: deixei partir o que só eu sei dizer e os outros ficaram a saber o que eu nunca disse – não há lábios íntegros nem ouvidos puros – e depois aquela incerteza que trouxe do berço. e tudo sempre tão difícil. e tudo dúvida. e tudo terror. e o dia sempre a puxar para o escuro. e ao longe a nuvem a correr sempre para norte e as mãos sempre pequenas num corpo que quer crescer com as palavras – não consigo descansar desta aflição de saber se escrevo palavras autênticas. e a cabeça a dizer sim. e as coisas no papel a dizer não – a arte do pregador é falar e a do escritor é escrever. e eu não sei nem uma coisa nem outra – porque me castiga deus com tanta palavra hesitante – a cabeça teimosa a dizer que sim com mais força. e acena. e acena. e as lombadas dos livros viradas para a parede. estou de castigo – um escritor é feito por todas as palavras que escreve. mas eu escrevo sempre poucas. para o tanto que quero dizer – e a cabeça continua a acenar. imagino então que todos são como eu. tolos. feitos de palavras que não existem em papel. nunca nenhum escritor escreve em papel o que lhe cai nas mãos. aquela sensação de calor. a falta de ar. o desassossego. os ossos a partir de cansaço e as lágrimas a escorrer por dentro e por fora. os olhos perdidos do corpo lutam por cada página do dicionário. e folha para trás. e para a frente. e da boca um raios parta isto. não encontro sinónimo para a palavra felicidade sem esta maneira de dizer as coisas – e o corpo reclama escrita. e escrevo resmas e resmas de papel para dizer nada. nada que os outros entendam – e a loucura é agora reconhecida. atestado por um médico 

- - está louco. já não reage à medicação. não consegue abandonar a obsessão de que um dia todas as palavras terão sentido – façam o favor de internar este pseudoescritor. não esqueçam. colete de forças e sala branca por tempo interminável até que faça outra avaliação do seu estado mental –

sempre que junto palavras invento-lhes uma nova vida. ricas. poderosas. fortes. elegantes. viajadas. a falar francês. inglês. bem vestidas. reconhecidas e sempre a apontar para mim – mentira. tanto quero dizer e no fim do parágrafo o que sobressai é apenas o ponto final – também eu tenho que por um ponto final nesta forma de escrever. tenho que largar as palavras tal e qual como elas me erguem do chão. não posso senti-las de uma forma e depois entregá-las ao leitor de outra. têm que partir sem erosão. sem polimento. sem brilho. sem maquilhagem. têm que partir do que sou. do que sinto em silêncio. quando encostado ao pulmão coloco as pernas em cima do coração. para facilitar a circulação sanguínea. incham-me os pés e com os pés inchados as palavras incham também. e fico com os canais lacrimais entupidos e eu não sei escrever sem chorar – se as palavras fossem choro era fácil. uma música. uma voz e a liberdade do corpo era a grândola vila morena – se as palavras fossem gaivotas era fácil. um dia de sol. um pouco de vento e a liberdade eram asas – se as palavras fossem peixes era fácil. um oceano. uma onda. e a liberdade eram barbatanas – se as palavras fossem saudade era fácil. um dia de sol. uma foto na mão e a liberdade era o passado – se as palavras fossem vento era fácil. uma criança. uma praia e a liberdade era um papagaio de papel – se as palavras fossem um homem era fácil. um papel. um poema e a liberdade eram as metáforas – não há liberdade para as palavras que escrevo. elas são eu. e eu estou preso a cada palavra – eu sou a prisão das palavras e as palavras as grades da vida


Autor: Sampaio Rego

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FEITO COMO




um boi trôpego
de partida
no esparramo do asfalto quente

...

espanando o poeiriço cinza
de tardes espartanas

um espantalho
meio espantadiço
simulacro de crucifixo
um triste querubim
dos roçados do sem-fim

um vergalhão
corroído pelas ferrugens
prestes a permitir
a demolição do edifício
um osso fraturado do ofício

de doar centenas
de vezes
o coração


Felipe Rey

Imagem: Sr. do Vale

CIDADE DOS HOMENS





( Para o amigo Erick Moraes )


Cidade dos homens :
O calendário vestido
em quarta-feira e Cinzalha .

...

As avenidas fumam petróleo enlatado______
pescoços braços e pernas batem cabeça
num trânsito regido
pelo dragão da maldade .

Quando anoitece
várias estrelas faltam ao trabalho
( vento sopra uns trombones de chuva próxima )

e os trens retornam aos subúrbios
levando quem não se acaba de morrer .


Adiron Marcos




Eu quero desacelerar minha vida

Eu quero diminuir meu passo
Transar bem devagar
Morte lenta

Eu quero deixar esse frisson
Que cansa meu corpo
Que não liberta mais

Vou ler alguma coisa antiga
Aprender a escrever
Ler sonetos

Parnasianar
bem devagar
sem farinha
pedinha
pó.

Mas por enquanto falta métrica.

Monique



Máquina de Seduzir




Me fintou num instante
Com olhos intrigantes
Num convite sedutor
A mergulhar-te fundo
Pela porção Afrodite
Que se despia lentamente

Tinha íris cor de mel
O corpo de contornos delineados
Pelas curvaturas ousadas
Um passear a caminhar-te
Pelo dorso, cada pedaço de pele

Passo a passo entorpecido
Explorando tuas arestas
Nas fendas mais distantes
Entregando-me inteiro
As tuas cálidas mãos
Que inquiriam o íntimo
Usando-me

Desnudo a tua frente
Namorando clandestinamente
Sendo tragado num único gole
Pela tua janela de Vênus
Que tomava tudo

Feito conhaque

Causando palpitações
De puro êxtase
Na tua boca levemente úmida
Entreaberta, Escorria veneno mortal
De víbora serpente
Enfeitiçando o lugar
Como se Pedisse:

"Atreva-se"

Nem parecia mulher
Era anjo ou demônio
Surrupiando almas
Possuindo tudo
Fazendo gozar
Sem ao menos perceber
O quanto é imensa
Essa coisa mágica
Vestida de mulher

Allima





aldeia velha





despenco
como um barranco
aberto em beira de estrada
pelos pastos ressecados
meus desejos, os bois magros
nosso projeto, aquele ipê
derretendo amarelo
idéias que piscam no escuro
erodir por completo
aos urubus minha carcaça
que reste somente o ipê
amarelo como um farol
em nossas insustentáveis
pastagens

Lucas Viriato

sábado, 6 de outubro de 2012

soneto incompleto



para o poeta Marcio Rufino

então de cobra caninana 
passo a ser cobra Norato
eu sinto o cheiro verde da cana
e você gosta do verde do mato

eu me chamo Dona Leopoldina
e o vosso nome é Donana
tinha uma pedra de turmalina
no meio do caminho ou profana

gambiarra acendida que alumia
a Baixada como ode que Pode Poesia
fazer nessa nossa Cidade uma arte soberana

Felipe Rey

ESTRANHA COISA





Era preciso tecer a teia
de ardis e malícias

Era preciso de mais que dois olhos
para antever os vieses da vida
para dissipar os véus da dúvida

Era preciso urdiduras e tramas
desfeitas em manhãs claras
descosturando o véu da ignorância

Era preciso engolir o espanto
a revelar segredos inconfessos

Era preciso coragem e fé
para sair do luto e da profundidade das coisas

Era preciso aventurar-se no desconhecido
descortinando novos e refrescantes sentires

Mas essa coisa morna que em mim habita
que me aprisiona numa gruta escura
Essa coisa que comigo mesma se confunde
Essa coisa que me invade e me tira o ar
...
Ah, essa coisa que me divide e me parte em duas!...



Ianê Mello

(15.09.12)

*
Fotografia de Pavel Mirchuk

___

Labirintos da Alma:

http://labirintosdaalma.blogspot.com.br/

Réptil Poeta



Para o poeta Felipe Rey

Serpenteia em minha mente
Ainda mais
Feliz Peregrino
Em tua língua-caneta
Escreve em meu coração
Os versos pertubadoramente suburbanos
Cujas cores das tintas mimeticamente mudam
Assim como tua alma-pele
Ora cabocla, ora negra, 
ora branca, ora pele vermelha.
Ora salgada, ora doce, ora agridoce
Jamais sem gosto, jamais sem cor, jamais sem graça
Jamais gratuita, jamais despresível, jamais esquecível.
Máscula camaleonice
Cobra Norato
Saindo das páginas molhadas de Raul Bopp
E seduzindo toda a cidade
Rei dos honrados rastejantes
Pois és da estirpe dos que rastejam através da poesia
E encanta com sua mais autêntica idiossincrasia
Pois então tome seu trono
E reine no bares
Ou em outros lugares
Nas rodovias
Nas Avenidas
Até mesmo na periferia
Nos grandes centros
Nos saraus do Rio de Janeiro
Ou quiçá do Brasil inteiro
Sem se importar
Em que terreno pisas
Pois o chão do poeta
Ao invés de estrelas
É feito de sonhos.

Marcio Rufino

O BAILE



entre confetes e serpentinas
e mais caras descoloridas
todos com suas más caras
todos com suas máscaras
e o baile anuncia um carnaval
mas não é fevereiro
nem feriado nacional

numa parede cheia de espelhos
as máscaras vão protegendo
e quebrando inibições
eu por minha vez
descubro a minha tez
descortinando os teus doirados pêlos
como sempre fiz em outras ocasiões

então quem cheira essa felicidade
repentina nos salões
endoida a dançar até dormir
bebendo o último gole de gozo seu, moça
sem te tomar sem carinho sem carícia à força
devolvemos nossas máscaras emprestadas
porque agora nossas fantasias serão realizadas

Felipe Rey

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dia do Poeta


Sarau Donana do mês de setembro

                                                                   O cenário do sarau

                        A grande poeta e líder do movimento Pó de Poesia Ivone Landim se diverte no sarau

                           Os artistas Naldo Calazans, André Luiz Gonçalves e Ivone: altos papos

                                          A platéia curte os artistas que se apresentam no sarau

                                              Vicente Freire, Dida Nascimento e André Luiz

                                                                       Naldo e Dida

                                                             O poeta Cezar Ray

                                                                 Os artistas se divertem

                                                Dida solta a voz com André Luiz na percussão

        André Luiz, Camila Senna, Ivone, nosso convidado especial Euclides Amaral e Cassia Cabral



O Sarau Donana realizado na noite de sábado do dia 29 de setembro foi um sucesso. Amigos do lendário grupo Desmaio Públiko - coletivo de poesia que agitou a cena cultural da Baixada Fluminense nos idos da década de 1990 - confraternizaram com a trupe do Pó de Poesia numa festa contagiante que teve as participações especialíssimas do escritor e músico Euclides Amaral e da Banda Seu Mathias e Panela Zen.

vão chamando coisas

por uma série de pequenos textos

já me chamaram pretensioso, poeta, gentil, nervoso, bêbedo, vaidoso, egotista, frustrado, escritor, senhor, puto, imitador, actor, reles, rude, naif, feio, débil, inveterado, nulo, triste, sorumbático, sujo, negligente, pedante, egoísta, parvo, pateta, invisível, maquiavélico ou manipulador, lisboeta, filho da puta, nada, deus, anjo, pelintra, do povo, padre, pregador, miúdo, velho, monge, corajoso, elitista, luso, de esquerda, de direita, fascista, agitador, sublime, dono, maravilhoso, bondoso, mau, diabo, vizinho, solto, fadista, ensimesmado, fanático, tarado, humilde, simples, puro, burro, ingénuo, escrevinhador, falso, coisa, grato, sui generis, censurável, podre, sem jeito, ruinoso, dúbio, estúpido, vagabundo, grande, melancólico, génio, subtil, tudo, cristo, prima-dona, maricas, degenerado, nulo, merda, simplório, areia, caca, gato, mulher, periquito, homem, mar, terra, estrada, sol, sexo, pénis, ambíguo, inútil, suicida, negro, árabe, cobarde, caldo Knorr, ídolo, jovem, e muito muito mais

tudo em cerca de 4 anos

que seria se fizesse poemas – que me chamariam mais

apresentei-me como sou – tratam-me como personagem, que seria se me apresentasse como personagem? acreditariam em tudo como real e literal? se o contrário é que vale então adoptemos o absurdo - o famoso teatro do absurdo de Beckett que acaba por ser a mais realista e exacta descrição da realidade

não se esqueçam - ao porem (pormos) a pele de poeta-lobo nos vossos lombos de ovelhinhas – sujeitam-se ás consequências inevitáveis da vida real – não a virtual – um dia cai a pele mal colada às costas e surge o pelo brilhante e branco dum animal que ensinamos às crianças que faz mée-mée e uma ovelha nunca será um lobo com pele ou sem pele mais não pode fazer do que em contacto com a sua frustrada inevitabilidade de balir de desgosto

portanto, sempre apareci aqui sem máscara e escusam de puxar pela pele da minha cara que isso dói e não sai – por baixo é só sangue nervos e esqueleto

e se isso não basta – nada mais tenha a dizer

mas fico feliz por ao tentar escrever poesia – vivi tudo isto

e por isso – obrigado

out. 12



Autor: Carlos Teixeira Luís

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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Batoré

A cidade acordou ao som dos Beatles ; Eleanor Rigby atropelava o sino da igreja em doce heresia , as pessoas apuravam o ouvido; naquela manhã de 1966 , nascia o serviço de alto – falante da Prefeitura Municipal da Várzea Pequena.Dentro do mercado público uma cabine de madeira e Eucatex marcavam os domínios de Batoré , metro e cinqüenta (e cinco) de musculatura marombada , cabelo Black Power de rebelde sem causa , calça jeans contrabandeada sabe Deus de onde, “Make Peace Not War“ na camiseta modeladora do peito minimalista e musculoso , um cavanhaque atrevido avançando em direção á boca carnuda , de riso fácil , um tesouro em dentes dourados ; a animação movida a salário mínimo , dois olhos convergindo para a ruga circunflexa e perene na testa curta , um baita cordão de prata segurando o brucutu marretado do fusca do cunhado , agora simulacro de medalhão pacificista; enfim ,um homem de estilo . 
Cantarolava enquanto limpava as capas dos elepês, o primeiro lote de animação subvencionada pela prefeitura ; Waldick Soriano acotovelava Teixeirinha que escorava os Golden Boys e a versão 66 das Quatorze Mais. Aceitamos doações, trombeteava o cartaz lá na porta . No braço automático da vitrola , aguardando vez ,o disco mais recente dos Incríveis , chorando alguém morto em plagas vietnamitas e a guerra dos seis dias , na não menos remota Israel. 
E a vida corria , em gonzos azeitados . Na tarde mormacenta do mês de outubro , dedicado á Santa Padroeira , a Kombi velha , branca em melhores dias , maracujá sobre rodas envolto em poeira e estranheza , chegou , á reboque do caminhão da roda gigante . Um alto–falante aposto aquela precariedade, anunciava aos quatro ventos a excelência do Elixir de Mastruço e a força do Professor Asa Negra, o magnífico , campeão inconteste de luta livre americana , flagelo dos cabras frouxos e versão tropicalizada de Sansão , ao seu alcance , naquela noite , no Clube Municipal, por meros quinhentos cruzeiros de entrada , com direito a vistosas demonstrações de sua arte, inclusive o temível tacle , a arte de voar sem asas , estraçalhando o oponente .
Em frente á Praça do Fundador , a Kombi estrebuchou e calou-se .Desceu do veículo um homem alto ,musculoso, queimado pelo sol , feições esculpidas á faca cega em sua notável feiura , pernas torneadas por uma justíssima calça Topeka , sobre um par de botas com adereços prateados , bigode decaindo pelos cantos da boca , camiseta preta , cavada ,ensopada de suor , exalando um bodum misturado á desodorante Avanço ; da nuca , precipitava-se um frondoso e luzidio rabo de cavalo cheirando á Glostora , caindo- lhe sobre as costas robustas ,enquanto de megafone em punho , prosseguia na louvação do Elixir e as bravuras de Asa Negra , ele mesmo, alardeando seus atributos , encarando a meninada da praça , que freava as bicicletas, na contemplação do “portento brasileiro e internacional de força e vigor” , entre a perplexidade e o riso fácil das infâncias despreocupadas .
Após uma hora naquele sol que não estava para brincadeira, entrou no mercado publico, aboletou-se numa mesa do bar do Antonino e ordenou uma cerveja , traçada sem mais delongas entre um pedaço de carne-de-sol e uma lasca de queijo de coalho , regurgitados e arrotados com a presteza e sonoridade dos estômagos privilegiados e apressados. Liberando um hálito mais pra urubu dispéptico que qualquer outra coisa , indagou da localização do serviço de alto-falante, enquanto pagava ao desconfiado Antonino , que via das dúvidas, dava na sua foice um trato de esmeril , sob o balcão, enquanto indicava o cubículo no final do corredor . O troco deslizou sobre o balcão de fórmica arranhado pelo transito rastejante da aguardente, do copo ao bico da freguesia. Um punho envolto em pulseira de couro e metal reluzente, bateu na porta entreaberta. Dessa vez, o hálito demolidor despachava um boa tarde sorridente e de mão direita estendida , com direito ao fétido complemento :
- Epitácio Nepomuceno , vulgo Asa Negra, lutador , mágico e andarilho . Toque aqui os ossos , meu distinto . Falo com o grande Quincas Galdino , fera saltitante e premiada do agreste da Paraíba ? Orgulho da Academia Princesa do Capibaribe ?
Batoré ergueu-se da cadeira entrevada , alisou o braço esquerdo , a cabeleira exaltada e confirmou-se , num riso só .
- Meu nobre professor, a que devo a honra , após tantos anos? 
- Irmãozinho, estamos em turnê há três meses; a grana tá curta , estou dando beliscão 




em azulejo e nó em pingo d’água por dinheiro ; até a Vilma se mandou com um prestamista . Imagina o futuro de um corno liso : merda granulada ou não é ? Vim propor uma luta , amanhã á noite, no Clube Municipal .A gente faz só a munganga , o povão gosta , você ganha , ganho eu e tudo bem .
- Estou nessa. 
E foi mesmo , ou melhor, foram mesmo.O resto do dia, foram peripécias do professor a encher as pequenas ruas : rebocar um jipe com o ensebado e duvidoso rabo de cavalo , imobilizar o mesmo o jipe ,engrenado em primeira marcha,com as mãos e outras sansônicas tarefas das quais resolvemos poupá-lo, amigo leitor , pois afinal de contas a luta entre Batoré e Asa Negra já era anunciada em megafone, cartaz grudado e serviço de alto – falante , aos quatro ventos e mais alguns adicionais se a diminuta cidade os comportasse em sua pequenez .
Comentava-se da sacristia do circunspecto padre Eduardo ao forro verde da mesa de bilhar, onde Neco Gato desfolhava os otários dos seus parcos cruzeirinhos entre uma talagada da incandescente Serra Grande e a tacada precisa tal bote de cascavel ; num bilhar onde até o giz era viciado, o comentário era um só:quem venceria a grande luta, de preferência para contar a história de um arranque só , entre uma cerva e outra,de queixo inteiro , no bar do Antonino?
È , de queixo inteiro sim , pois no último embate registrado nos arquivos muito vivos da cidade ,dois anos atrás, Batoré derrotara Maciste de Oliveira, com o saldo de uma graciosa fratura na tábua do queixo do adversário , região teimosamente chamada de mandíbula pelo rubicundo e luzidio doutor Toninho,(habilitado nas artes médicas, na vizinha Campina Grande) testemunha ocular e manual da fragorosa derrota infligida ao alquebrado e desde então desqueixado Maciste . 
Ingressos vendidos em tempo recorde, ás oito da noite , a multidão comprimia-se no pequeno porém decente e superfaturado clube municipal , na expectativa suada e confusamente fedorenta , mistura de perfume Lancaster , pum de batata doce e cheiro de sabonete Vale-Quanto-Pesa , entremeado á fumaça de cigarro Astória ,Gaivota,roliúde , pé de Judas e quejandos , conforme bolso , gosto e pulmão do freguês.






A venda de pipoca , cachaça , mungunzá e amendoim corria solta ; na bolsa de apostas Batoré vencia em três para um . No centro do dancing, nasceu um ringue cercado por cordas , agora inspecionado pelo velho Otílio Cegueta,caolho de espinho de angico,óculos redondinhos que lhe davam um ar meio vago de Virgulino apombalhado, único expert regional em luta livre por consenso próprio e árbitro auto-referendado e aceito para a refrega que se aproximava.
Na tribuna de honra, confabulavam o prefeito João de Toninho e os vereadores da situação, sobre a necessidade urgente e imperiosa de início da quinta reforma do clube , para melhor conforto e segurança dos cidadãos e grande alento nas contas bancárias dos políticos, considerando-se ainda que a cidade não comportava mais praças além das cinco já existentes nas suas três ruas simultaneamente principais e secundárias.
Ás nove da noite em ponto, chegam os lutadores,acompanhados das respectivas equipes,com direito á lata d’água e gelo municipais.Batoré, engalanado em roupão de seda,com letras brancas, Asa Negra fazendo jus ao nome, roupão de seda preta que já vira dias melhores,nas costas uma duvidosa águia bordada pelo método da tentativa e erro.Segundos fora,vão ao centro do ringue, xingam-se e ameaçam-se de estraçalhamento mútuo entre mugangas mil ,conforme combinado.
Otílio morde o charuto de pacaia e dá início ao combate,quinze assaltos de três minutos por um de descanso , os oponentes se estudam , arrodeam – se , cenhos franzidos e muita força para não gargalhar, Asa Negra acerta o batorêico Black Power num sonoro tapa, prontamente revidado por um chute no quadril ; a platéia urra e pede mais ; a concentração é grande, a seqüência de porrada combinada não pode ser esquecida; Batoré negaceia o corpo e toma um sonoro bofetão no pé-do-ouvido, corcoveia , fuça o ar, recupera-se e arremata em tacle sobre o antagonista ; Asa Negra segura a perna no ar e empurrando-lhe o pé para trás, faz Batoré aterrissar em graciosa cambalhota ; termina o primeiro assalto, ecoa a primeira vaia : o pouso foi suave demais ;Otílio recomeça ; temos uma seqüência de rasteiras e simulacros de rabo de arraia ; Asa Negra sai de bandinha feito caranguejo ; o nanico Batoré já bronzeando de suor consegue aproximação ; agarra-o pelo pescoço ; saraivada de socos e cotoveladas no atarantado 




Asa Negra , que milagrosamente sai das garras do minúsculo algoz e planta-lhe sonoro bofetão na cara lisa ; Batoré cospe a prótese dentaria de cinco mil cruzeiros, agora caída e fraturada na queda em três inflacionados pedaços; a multidão explode num grito de pega-esfola-estoura-e-mata ;reinicia o combate ; coloca-se o protetor bucal esquecido no caneco da água ; agora Asa Negra beija a lona , após engenhosa manobra que lhe imobiliza o braço direito; ruge feito leão e sacode o oponente para o alto, ninguém é perfeito,as cordas do ringue também, Batoré aterrissa ou melhor amerissa de cabeça no caldeirão de mungunzá de dona Mãezinha ; Otílio reinicia o embate, ergue-se Batoré com mungunzá agranelado a adornar-lhe a juba, passa a mão pelos lábios carnudos ; reassume a pose de mini-gostosão no ringue ; mira a coxa esquerda de Asa Negra , que esperava um tacle , o pontapé atinge em cheio os preciosos envirilhados do lutador , que perdendo a compostura, segura os dito cujos com uma das mãos e com a outra varre do ringue o Batoré, com uma tapa de urso que lhe faz deslizar até os pés da primeira-dama; Rosilda, assustada e loura oxigenada caprichando no laquê ; retorna Batoré ao ringue, em fúria saltitante e cabisbaixa .
Otílio faz menção de reiniciar o combate e leva um inesperado dedo no olho, o charuto aceso cai-lhe sobre o peito da camisa modelo Volta-ao-Mundo novinha , puro náilon , agora , pura peneira ; no desespero do calor,ou no calor do desespero,vai de tamborete nas costas de Batoré, que lhe arremessa á platéia em sonoro tacle ; Asa Negra continua avaliando a entornação do caldo, ou melhor, o frigir dos ovos ; a platéia descabela-se e começa a aplaudir ; melhor que o Tele Catch Montilla, grita em uníssono ; Batoré entra de rasteira e Asa Negra sucumbe sob as cordas até as pernas de dona Ana, fornecedora de hóstias da paróquia e mestra no combate com sombrinha e cadeirada ; Asa Negra segura ainda os preciosos, recebe uma cotovelada de Batoré e em certeiro tacle, devolve-o ao ringue , abraçado á velha Ana ; Otílio encontra o apito , a essa altura , no tabuleiro de amendoim, encerrando o combate; nada feito, a platéia tomou gosto pela briga e agora a luta é democrática, digo, agora todos contra todos, depois a gente vê porque foi mesmo ; entra em cena a fleumática guarda municipal , que a golpes de cassetete , botinada nos testículos mais atrevidos e generosas doses de dedos nos olhos, consegue acalmar os ânimos da platéia , porque os combatentes, a essa hora, já rachavam a bilheteria e seu adorado vil metal, dentro da Kombi, a caminho de Deus sabe lá onde , rindo a bom rir.



Conto de André Albuquerque

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