Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



terça-feira, 12 de junho de 2012

carochas, bicicletas & biplanos - 8


O homem encostou-se à parede de madeira da velha estação e morreu. Os últimos pensamentos foram um belo corpo de mulher a surgir dum nevoeiro citadino e um campo de batalha onde um dos corpos era o seu. Levava numa das mãos uns papéis sujos que se espalharam entre as folhas de erva.
Tiraram o corpo do homem e referiram-se ao seu sorriso. Um sorriso tão acriançado para um corpo tão velho e desfeito. Fazia sol e sombra por entre os passos da multidão que aumentava para verem o homem velho de barba grisalha que simplesmente faleceu onde se assentou.
10 Jan.

Na peça todos os actores estavam empenhados. E ninguém morreu no fim. Saíram todos do teatro com frio. Espalharam-se pelos bares da zona e sentaram-se nos seus automóveis polidos e muitos arrancaram para longe. Só ficou um vagabundo encostado a uma árvore perto da entrada do velho teatro, à espera que o mandassem embora. Mas ninguém apareceu. As portas do teatro fecharam. O frio da noite instalou-se. Certas luzes apagaram-se e o vagabundo acabou por adormecer envolto no seu grosso sobretudo. Morreu congelado à espera dum milagre.
10 Jan.


Onde estavam ondas agora rolam pedras. Como marés. Aonde estava o peso de muitas pedras está um sorriso. Tímido e cheio duma tristeza por catalogar. Melancolia única e de jardim enfeitado. Sabem, aqueles jardins muito bonitos mas sós de gente e crianças. Assim como um corpo nu mas sem ninguém que lhe pegue. Há jardins de cemitério sem gente sepultada. E muitos nos rostos de quem passa. Quem serão essas pessoas? Espelhos andantes? Que diria Virginia de tudo isto?
10 Jan.

Não tenho dinheiro para te dar, mas tenho ali dois pães de hoje. O pão mata a fome. Não mata as noites frias mas aquece o interior. Mas é só pão. E tu só tinhas uns papelitos para me pagar ontem e hoje? Tens mais algum poema? Dou-te os pães na mesma. Ficas-me a dever. Dois poemas dos pequenos, com a tua luz.
Agora as ruas não são as mesmas. Morreram um pouco, torcidas pela memória e sujas pela culpa. A noite matou-te sobre a forma duma motorizada mas os teus poemas são a nossa noite dividida. Entre as tuas sábias expressões e a nossa agonia dos dias. Sabias que tinhas conselhos que nunca os vivestes?
10 Jan.


Autor: Carlos Teixeira Luís

carochas, bicicletas & biplanos - 7


Eva - Anda, deita-te.

Ivan - Não consigo, as costas não endireitam…

Eva - Oh, céus e agora…

Ivan - Ajuda-me só a deitar-me de lado. Empurra-me.

Eva – Oops … e agora?

14 Mar.


Ivan - Eva?

Eva - Ivan, onde estás?

Ivan – Aqui. Olha para baixo. Acho que está a passar. Chamas o médico?

Eva – Mais uma injecção. Tens de pensar na operação, Ivan. Não podes continuar… assim.

Ivan – Tenho medo de ficar impotente ou paralisado. Tu sabes. Vou aguentando.

Eva – Isso é aguentar?

Ivan – Agora deixa-me só ficar aqui um pouco…

Eva – No chão?!

Ivan - … enquanto o médico… Fico aqui à espera de Godot.

Eva – Oh, não comeces… Vou já ligar ao médico. Sabes que horas são? Vou trabalhar daqui a 2 horas.

Ivan – Falta hoje por mim. Diz que estás doente.

Eva – Doente, eu?

Ivan – Sim, das costas e que esperas o médico. Que não te podes mexer. Depois telefona para o meu trabalho, diz que tenho de ficar contigo enquanto o médico chega.

Eva – Porque não ligas tu?

Ivan – Mas eu não me posso mexer. Tens de ser tu.

Eva (liga) – Estou, doutor Samuel? Por acaso não se chama Beckett também? Estou?

(risos)

12 Jun.



Autor: Carlos Teixeira Luís

ORQUÍDEAS NA JANELA


Já se conheciam
Mas nunca se sentiram assim
Com aquele desejo cor de jasmim

Os lábios se procuraram
E se acharam
Línguas entrelaçadas
Libido adocicada

Sussurros cobrindo a noite
As mãos deslizando pelos corpos
Entregues ao amor
Poros arrepiados sem pudor

Corpos sob lençóis se entregando
Seios misturados
Mamilos se beijando
Lábios se tocando
Suas orquídeas molhadas se amando

Sendo admiradas pela lua
Que timidamente
Olhava pela janela

Arnoldo Pimentel

carochas, bicicletas & biplanos - 6


rouco diz o louco

mouco não ouve o que diz o louco e continua a comer os seus torresmos com gordura e tempo, beberica o seu tinto de algures e mofo, sabe-lhe a pouco

rouco teima o louco que coça o toco

- nem por isso, já foi mais

o que o louco discorda e se põe a milhas – rouco, rouco… profere longe o louco

e nem uma moeda nem pouco

rouco cada vez mais

voz sem reboco e fica assim

6 Jan.


Todos os dias os vagabundos precisam de comer.

Todos os dias os vagabundos precisam de dormir.

Todos os dias os vagabundos precisam de beber.

Todos os dias os vagabundos vão pedir até conseguir.

Todos os dias até morrer.

12 Jan.




Autor: Carlos Teixeira Luís

carochas, bicicletas & biplanos - 5


Gostou dos personagens zangados. E dos que envelhecem e são irascíveis. Quando envelhecer… Quando envelhecer mais, vou ser assim: maldisposto e insolente. Posso muito bem não ser capaz. Mas tentarei. Uma bengala e umas cãs darão uma ajuda. Bem as cãs… Falta a bengala. Feita de pau-teimoso-e-rezingão. Então a vida valerá a pena. Afaste-se que eu vou passar. Vá, despache-se.

4 Jan.

Quer dizer que este senhor norueguês que escreve brilhantemente os seus contos e outros escritos, era um perfeito desconhecido por não haver quem o traduzisse, o que é pena e esta frase já está muito grande. Kjell Askildsen, nascido em 1929, premiado autor – comparado a Raymond Carver e também a Beckett (descubram porquê) não tem frases assim, grandes e com desperdício. Escreve o que é preciso e chega. Simples? O tanas. As suas personagens, cruzamo-nos com elas todos os dias – gente. Tu e eu. Velhos e novos. Doentes e saudáveis. Sóbrios ou nem por isso.

5 Jan.

Dois homens estavam à espera de um outro. Que chegou já de madrugada. Receberam-no perto da luz dum cadeeiro de rua e as sombras de uma grande árvore. Abraçaram-se e atravessaram uma grande avenida. Foram esperar uma mulher num bar dum velho teatro. Sabiam que estava aberto o bar, só para eles. Instalaram-se a um canto bebericando os seus portos. O dia chegou e a mulher não.

9 Jan.

Empurrou a mulher pelas escadas abaixo e chamou a polícia. Amava-a mas não a suportava. A polícia chamou a ambulância e levou a pobre mulher. Já não a suportava, repetiu o homem algemado a entrar no carro de polícia. Não mudou de argumento e ficou preso. Ninguém se lembrou do gato. Esse saltou a vedação e entrou na cozinha da velha senhora da casa ao lado. Aninhou-se num alguidar cheio de roupa lavada. A velha senhora sorriu:
- Estás em casa, gato…

10 Jan.


Autor: Carlos Teixeira Luís