Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Iniciação


             I

Tu que esperas o estro das cinco,
Como o inglês o seu chá
E o crente, o angelus...
Tu que esperas o estro das cinco,
Para compores alguns versos
Plangentes de amor e flor –
Vê-me! Pousa os olhos sobre mim,
No rebanho ignoto de minhas carnes!
Eu caminhava quase ao teu lado,
Entanto preferiste apreciar
O decote e a bunda de mais uma qualquer.
Vê-me! Pousa os sentidos sobre mim,
Mesmo que ainda delirantes,
Mesmo que ainda enfastiados,
Porque já não tens o que cantar.
Olha quando bocejo,
E a náusea impele-me aos banheiros infectos;
Quando reconheço tua firma
Ou peço-te o protocolo,
Após um bom dia em dias maus.
Volve teu rosto ao meu opaco e habitual,
Para teus versos encherem-se de sombra.
Vê-me! pois a lua agora
É dos cientistas e burocratas,
As estrelas há muito se apagaram
E nenhum brilho restou nestas faces, nestes céus,
Enquanto, sobre nossos lares,
Pesam monóxido de carbono, pressa
E celas esquecidas com sangue e vergonha.
Toque-me, se puderes,
Pois há muros entre nós,
Tijolos de indiferença e anonimato,
Grito abafado e delação.
Toque-me! Sinta-me! Cheira-me! Escuta-me!
Pois o poeta torto
Que te pede chaves e decifração
Tinha razão:
O amor resultou inútil,
Homens se matam feito percevejos.

Restou-te só a mim,
Indesejada companheira,
Habitual aparição – fantasma,
Enquanto caminhas solitário,
Acompanhado por tantos de nós:
Multidão.


                 II

Agora que o estro das cinco
Chegou, pega minha mão e vem!
Quero mostrar-te tudo e nada.

Não temas, demente,
Não receies a verdade;
Ela reside no desconhecido.

Vem comigo, confia em mim;
Afinal despertarás, assustado,
Babando de teu frágil sonho.

Libertarás teus versos
De musas e ideais há muito
Desfeitos. Vem, pueril!

Vês aquela que passa?
Ela não te ama! De fato, ela passou...
Deixa que se vá como tantos...

Sei que ainda guardas
Dela as parcas palavras
Como recompensa e ilusão.

Sei que ainda conservas
A lembrança opiária
Que te engana dia-a-dia...

Vês aquele que passa
Na boléia de um caminhão,
Levando fria marmita?

Foi ela que a preparou
Para a fome fria de um ser
Frio, frígido que ama na tábua fria.

Deixe que passem. Tudo passa,
Tu, inclusive. Pobre lembrança
Que nem sabe mais o que inventar.

“ - O que me resta, então,
Senão esquecer? Esquecer!
Esquecer! Esquecer!”

Vês estes comendo
Devorados pelo tempo?
Tua família: pai, mãe e irmã.

Sabes do resto?
Creio desconfiares. Desejas
Saber? Suportarás?

Claro. Não há qualquer
Melodrama; telenovela
É o que tens de melhor ao coração.

Vês teu pai? Quem te ensinou
A amar os livros
E a odiar a todos?

Ele não te ama! Alimentou-te
Por mera obrigação
Paterna e olha-te com dó.

De fato, não tentaste muito
Te tornar filho e ele, pai. Ambos nunca
Tiveram pendor para filiação.

Não importa se te amou.
Faltou-lhe a paternidade
Que os piegas têm de sobra...

Não te revoltes, nem queres...
Aceita os homens e as coisas,
Livra-te de culpa ou rancor.

Na identidade, tens os campos,
Para a tua tarefa social,
Todos preenchidos – és homem!

“- O que me resta, então,
Senão matar? Matar!
Matar! Matar!”

Vês esta te embalando,
Como te acalanta zelosa,
Infatigável em seu dever.

Ela te ama. Missão outorgada.
Antigo ritual tantas vezes
Repetido, signo vazio: maternidade.

Disso não tem muita consciência,
Por isso te ama, te cobra
Pode apresentar tua dívida.

E tu? Não respondas nada.
Silêncio... atrapalhar-te-ias
Com a verdade e as palavras...

“ - O que me resta, então,
Senão esquecer?
Amar e esquecer...”

E tua irmã? Lembras das tardes
Fagueiras, das manhãs primaveris,
Do efêmero fugidio?

Não, não há nada para lembrares;
Na escuridão do quarto de hoje,
Procuras uma mão, mas nada encontras...

“ - O que nos resta, então?
Nada resta!
Nada presta, irmãos meus!”

E, agora, o que tens? Fantasmas
E feridas com que dialogas,
Expostos na galeria destes versos?

Onde ficou o inefável, o mistério?
Tuas mãos contristam-se por reflexo...
Guarda estas lágrimas – pura sensaboria.

Aceitas tudo conformado,
Calas tua fúria e rebeldia,
A raiva de ti, de todos.

Solta teu grito de silêncio,
Teu canto dissonante,
Tua palavra-eco aos surdos.

Vê a multidão: eis uma certeza!
Tu a amas e estamos nela –
Tua amada e família também. Cidade...

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

,disfarçam-se alguns outros

(I)

,é na orla que se escondem os corpos,
simples,

e as fuligens que restam, tão longe,
amontoam-se em pântanos,
apavoram-nos

esses interiores escuros, fingidos, frágeis,
finge-se.

,disfarçam-se alguns outros.

(II)

,tem vezes que anseio noite,
como fuga, arrojo exausto
símil à travessia gasta, desgastante o dia,

e quando as palavras, se destecem ponto por ponto,

perdidas como o vinho vomitado, inquieto-me.

, inquieta-me o odor do jasmim que se liberta
além

,além do mar.

,despontam pétalas que se espalham, invadem
as tardes de outono acastanhadas,

aquém-terra,

e já ali, mergulho, por este mar acima,
sem destino, sem pressa,
simples,

singro-me,

ou esqueço-me.

(III)

[a quem importa, se nem a mim?]



Poema de Francisco Duarte

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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Amor sigiloso

Amei tanto, tanto
E não soube amar
Amar o desejo
Desejar o amor
Não soube...
brigar pelo amor
ficar com um amor
Não soube jogar
os jogos de adultos
usar os disfarces
cruzar os pés
por debaixo da mesa
usar as mãos bobas
nos momentos exatos.
O que é fato
e não fálico
é que não soube
usar a língua
flexioná-la
na hora X
no ponto G
e gritar para o mundo:
-Te amo menino!

                  JORGE MEDEIROS

terça-feira, 20 de novembro de 2012

ferrugênese

cadeado fechado, 
ferrolho 
no peito 
já enferrujado 

olho: 

um lado, terra; 
um lado, alado; 

basta, 
a quem erra, 

ver dobrado


Poema de Caíto

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Recompor





Tenho que reescrever o poema
Que escrevi na tua pele com a boca
Pra recompor o lema
Da tessitura do desejo
E sua voz rouca.

Preciso recompor os versos
Que rabisquei entre teus pêlos com os lábios
Pra reacender os anelos
Da espera do teu gozo rápido.

Reluzir em tua vontade de viver
O efêmero momento que fez de mim um rei
Pois nada vai tirar de mim o prazer
De ter visto o prazer que te dei.

Marcio Rufino

Olé de Coltrane

olé a caminho de madrid
sempre a direito pela a6 
paramos meia dúzia de vezes 
não houve tempo para cerveza e tapas
apenas para sonhar com d.quixote atravessando
as planícies de la mancha
nem sempre acompanhado por sancho o panças
esse tinha tempo para tapas e cerveza
entramos em madrid
não foi difícil dar com o sitio
avenida para aqui avenida para ali
comentas-te bonito o edifício do novo hospital
juan carlos cheio de janelas côncavas 
ou convexas, discutimos
hotel ao pé dos estúdios de televisão
demos uma volta a pé ao fim da tarde
um vento seco e gelado
anunciava o dia mais frio
nevou em madrid nessa noite 
mal saímos, lemos e vimos televisão
houve tempo para cerveza e tapas 
mais um dia e a operação
tudo certo e organizado
espanha não pode ser assim
não era assim que nos disseram que era
dormi duas noites a teu lado
vestido como estava 
podia lá ir dormir ao hotel 
contigo ali
e se precisasses de mim
estava onde queria
ainda dei algumas breves passeatas 
à noite – sou de passear, é de família
jantei aqui e ali
mas sem ti era comer e ir embora
e uma ou outra cerveza
não é de família, é de mim
andei a ler um autor sueco 
sempre que a ansiedade apertava e como apertava
mergulhava no livro de escândalos e crimes
serviu, um ansiolítico literário
o que nunca me tinha acontecido
saíste do hospital
com dores mas de ânimo madrileno
com garra e vontade de viver
mais um dia frio em madrid
e fizemo-nos à estrada
sempre a direito pela a6
vim sempre a ouvir o olé de coltrane
por dentro e em paz
estavas bem, dizias piadas
sobre a tua provável morte
e eu conhecer uma bela madrilena
descrevi-a louraça, fogosa e rica
não sei se gostaste
a viagem cansou-te
mas chegamos de madrid
sem a ter conhecido
não não fui à gran via
nem à porta del sol
tinha coisas mais importantes para fazer
madrid fica para outra altura
haverá outro dia
para lhe gritar olé
não o de coltrane
mas à vida
olé!
experimentem e façam a viagem
é sempre a direito pela a6


Poema de Carlos Teixeira Luís

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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Pó de Poesia brilhou na FLUPP

O coletivo Pó de Poesia na FLUPP


 Thaís Pavão e uma das voluntárias do evento entre os poetas Sil, Moduan Mattus, Marcio Rufino, Ramide Beneret, Sergio Salles-Oiggers, Jorge Medeiros, Camila Senna, André Luz Gonçalves e Marina Coufal.


Camila Senna


                                                             
                                                                    Ramide Beneret


                                                                   Jorge Medeiros


                                                                            Marcio Rufino

                     
                      Egeu Laus recebe os coletivos Desmaio Públiko, Gambiarra Profana e Pó de Poesia






Na noite de sexta-feira do dia 9 de novembro o Coletivo Pó de Poesia se apresentou ao lado de outros dois coletivos literários da Baixada Fluminense O Desmaio Públiko e o Gambiarra Profana no Sarau Literatura na Baixada promovido pela FLUPP (Festival Literário Internacional das UPP's); evento literário que aconteceu 7 à 11 de novembro no Morro dos Prazeres, no bairro Santa Tereza, na Tenda Policarpo Quaresma. Ciceroneados por uma equipe impecável composta por Écio Salles, Egeu Laus, Thaís Pavão e Julio Ludemir, Jorge Medeiros, Ramide Beneret, Camila Senna e o blogueiro que vos escreve Marcio Rufino apresentamos nossos poemas e mostramos ao lado de outros poetas o que a região produz de melhor na literatura.

Temporal poema porque chove manhãs

?

Temporal poema porque chovem as manhãs.
Ainda perduras no fogo onde forjei o teu corpo 
Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos. 

Esperei atrás do tempo, numa madrugada de intenções
Inventando formas suaves de abraçarmos a noite
Imaginando as feições deste sonho avermelhado 

Assim, afastei os barcos, embrulhei os lagos
Desenhei de novo a paisagem que trazes no cabelo
E fiquei aqui, sentado, esperando o sol nascer

Mas neste alongar das horas, esqueci o traço
E pálida torna-se a tela onde te pintei desejo
Como aguarela sem cor, como uma boca sem beijo. 

Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos 
Temporal poema porque chovem as manhãs 
Sobre este fogo que ainda arde. 


Poema de Nuno Marques


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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Caravelas azuis céu adentro

Desconheço as certezas que me atraem ao desconhecido. 
Um movimento causa efeito no brilho desta dúvida circular
Não tenho esperança de me encontrar nas perguntas que guardo 
E guardo-as religiosamente como segredos esquecidos no tempo.

Desacreditei teorias sobre a dor sem ter sofrido.
Vou em procissão levar toalhas quentes à angústia que me consome 
E pelo caminho, idealizar a morte por baixo da terra
Por não acompanhar a gravidez das estrelas todos os dias 
Nem assistir ao seu parto anunciado com ardor fora dos olhos.

Esqueci-me de acreditar

Caravelas azuis céu adentro por dois mil anos
Tenho esperado o meu nascer para começar.

Na origem a indiferença onde me guardo sem ambições 
Cai o lorpa na arcada por um abraço que ninguém me deu
Cresci e morei sempre à porta sem entrar
Com medo de pisar o mesmo chão, conhecer o padrão e ficar

Esqueçam-me todos, todos os dias em que não voltei
Esqueçam-me os lamentos e as ilusões que emprestei ao mundo
E afastem-me de vez quando chegar a falar de amor.

Esqueci-me de acreditar

Caravelas azuis céu adentro por dois mil anos
Elevam-se adagas e escudos pela morte de um imperador. 
Desenhei um rio com margens e com corrente 
Porque só quero uma vista para o Nilo, na tarde da minha derrota.


Poema de Nuno Marques

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,a sombra do castanheiro dança ao vento

(I)

,como o céu pela noite é monótono, negro sem os riscos de estrelas-cadentes,
rápidas, sem avisos, silenciosas, 

esvoaça o perfume do jasmim noturno que penetra, invade.


Escapa-se-me a fuligem do crayon por entre os dedos,
impressões digitais que ficam no papel,

sem letras, ou exclamações, ou perguntas,

,retiram-se alguns momentos, algures
partilhados, a sombra do castanheiro dança ao vento,
nas raízes nascem cogumelos descoloridos,

(II)

,relegam-se fogos que consomem vénus pela manhã,
desejos, ânsias,

e os sons transformam-se, acicatam cavalos imaginados,
loucos, sem destino, sem crinas,
finda


a noite.


Poema de Francisco Duarte

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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

pelo ruído do gelo que acomoda a chuva

pela ruptura do que era estar em paz
pelo sossego apertado... ruindo o uivo
esperando a ausência,
que fosse ‘ela’ uma breve canção nos traços de uma gaita
plantada onde não se pode colher...
desafie enfim, a roupa a libertar-se dos alicerces da pele
como um passeio pelo campo ensolarado
quando já não procura pelo ar... o ar que restou

deixa viver a paz
aquieta o ruído do gelo
acomoda a chuva pelos degraus do peito

veste agora a saudade pálida de cada momento
a que escorre, procura e nos mantém juntos
dorme em meus braços, então.



Poema de Vânia Lopez

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O tempo sem tempo...






Queria mesmo escrever sobre o tempo,
Mas ele fugiu de mim sem dizer que ia.
Queria mesmo escrever sobre essas horas rápidas,
Mas elas voaram de mim como passe de mágica.
Eu pensei em falar sobre as estações,
Mas quando percebi, já não consegui distinguir.
De janeiro a Dezembro :
Primavera, verão, outono e inverno,
Nada mais os caracterizava.

De frio a flores nascendo,
Calor sorria solto sem se preocupar com mês ou data,
de folhas caindo a vento gelado
Ipês roxos nasciam no ventre da geada.
Queria mesmo entender às 24 horas,
Mas é tempo de menos pra pensamento demais.

Pensei em escrever sobre o tempo
Mas veja que curioso,
Não há mais tempo,
Nem relógio certo, a ampulheta quebrou.

Resta uma estranha agonia,
Mas também um bocado de alegria.

Hoje não olho mais para tempo,
Observo o que me importa.
Eu olho pra dentro.
Com Licença, tempo.
Eu hoje estou sem tempo.
Você deve entender.



Hugo Mendes
 

Crime...

 
 
 
 
O crime dos seus recados
atravessam meu mar revolto
e conseguem chegar.

Tenho os pegado um a um
e guardado numa caixa externamente bonita
tomada de lembranças que "pacifica".

((( Camila Senna )))

Faz de Conta


Na aula de teatro
O menino negro
Põe a coroa na cabeça
Em seu inocente orgulho
Ouço ele dizer:
- Agora eu sou o rei!

A menina morena
Com seu chapéu de bruxa
Em seu inocente descaso
Ouço ela dizer:
- Nunca vi rei preto!

A outra menina, negra
Indignada
Com suas asinhas de fada
Em sua sapiente certeza
Ouço ela dizer:
- Essa garota
Não sabe o que diz.
É melhor
Nem ouvir!

Marcio Rufino

sábado, 3 de novembro de 2012

Conversa na Praça

Os pombos não me estranham mais,até pousam aqui no banco, ao meu lado;da espera arrulhante do milho, ao avanço direto sobre o saco , poucos dias de avaliação mútua. Fico a sorrir,da facilidade com que os hábitos se afeiçoam a nós, homens e aves.Passo as tardes aqui, na Praça Rio Branco, a alimenta – los e encorajar rasantes cada vez mais longos sobre mim , bípede implume, na contemplação muda e aparvalhada da sua arte de voar. 
Olho a vida passar nos seus bicos; um ninho em formação,o arrulho de ciúme de um novo parceiro dos céus ; a qualquer ocorrência celeste, chuva ou sol: fuga e regresso, exercícios vespertinos de liberdade e leveza de pombos.Revoam ao longe, fazem um desvio em direção á torre da igreja e aterrisam, alguns sobre a estátua do chanceler , á minha frente, outros se acomodam como podem, no pequeno gramado , perto do rio.
O milho está acabando e ainda não sei se voltarei amanhã.Os dias têm sido frios, feios e cinzentos, uma desolação externa que pega a gente pelo pé, se não tivermos cuidado com o motor da melancolia , esse inverno teimoso. Um sol morno, vez por outra, joga-me depressão no colo, com o pronto exorcismo pelos meus amigos voadores .
Antigos companheiros vêm rever-me , sentam aqui, ao meu lado, conversam ainda furtivamente sobre o passado ou ajudam-me alimentando os pombos, numa espécie de obsequioso silencio , depois saem, no passo trôpego dos velhos, nada mais esperando de mim,alem do silencio.O general Macedo ás vezes aparece á tardinha , no passo miúdo e tremulo do Parkinsonismo . E os do partido ? Passam, olham-me como olhariam a múmia de Lênin e percebo que ainda sou um calo nas suas vidas,uma perna estirada na histórica estrada do partido, para o esbarro ou queda de alguém , pouco importa.
Tornei-me um sobrevivente problemático, pois nem morri nem vivo oficialmente (estaria morto no sentido lato?) ; penso no já longínquo 1973,no fusca metralhado e incendiado,nos quatro cadáveres carbonizados,nas fotos dos jornais, na viagem aflita de minha irmã ao interior, para tranqüilizar minha mãe, dizer que aquela foto bem comportada no jornal era minha, mas nada provava que eu estivesse realmente morto e ainda querer que minha mãe acreditasse ,sem lhe contar o resto.
Mas fiz o que foi preciso para Ângela , às crianças e até para o bem da causa que abandonei como que abandona um navio em chamas.Morri; seis anos depois reapareci, de carrão do ano, visitando minha mãe que chorava de alegria.Vi a última foto de meu pai, morto de verdade no meu interlúdio de defunto, com estadia no Chile e tudo pago. E ninguém me confirmou a ressurreição.
Cumpriram o que prometeram.Queriam uma saída honrosa.Quem diria, os torturadores queriam mudar o jogo e eu seria um instrumento da mudança. .Entreguei nove companheiros que sabia estarem fora do país, viajando sob nomes frios e passaportes quentes , como parte do combinado.Fiquei de queixo caído : eu, ex - terrorista, agente de paz e concórdia.
Surpreendente aquela estrutura em ação.Todo aquele aparato triturador de gente,era apenas anarquia perfilada ,uma gigantesca farra na caserna; iniciaram um processo sobre o qual perderam o controle e depois começou a recuo.A turma que fazia aquilo não era idiota . Inteligência e perversidade , em convivência íntima, fazem coisas terrivelmente notáveis.
Procuraram-me através do Marcos , meu até então alienado parceiro de pelada e colega de curso, lá da Católica ; mijei de surpresa : eu, uma Polyana de esquerda ? Sim senhor, no melhor dos mundos esquerdistas possíveis, até a cantada direta numa mesa do Tio Pepe ,ao som do mar e á luz do céu profundo . 
A anarquia disfarçada em super ordem , em rigidez ditatorial, a baderna fardada, assassinando e até pilhando , nas suas conveniências .A maioria discordante, silenciando . Daí, eu morri.Carbonizado. Tiçãozinho. O então coronel Macedo era o regente daquela outra orquestra vermelha , de sangue.Á perfeição, regeu minha saída e reentrada em cena ; se não triunfal, eficiente. 
Os companheiros dirigentes sabendo de tudo; ninguém foi preso por minha falação.Arranjaram-me até emprego num órgão federal outrora controlado por nós,voltei a usar meu nome verdadeiro e tudo o mais , seis anos depois. Ninguém da imprensa perguntou nada.Quem seria besta , mesmo na tal ditamole ? Ainda empastelavam jornais, Principalmente os nanicos. 
O coronel e sua turma fizeram meia-volta do teatro do paredão e do pau de ararara. Mandaram um relatório para os gringos,informando da minha prisão e morte, durante a fuga, com outros três terroristas,treinados em Cuba, doutorados em terrorismo pela Universidade Patrice Lumumba .Genial a minha nova história de vida.
Na repartição: ex-preso político ,libertado, retomando a vida . Meu (a essas alturas) querido coronel,saiu de cena como torturador e voltou a ser o que deveria ser um militar, o partido e a repressão negociaram minha morte e minha ressurreição .Os gringos aceitaram sem pestanejar a versão do velho Macedo, our old friend , recomendaram até sua promoção e lá se vão trinta e três anos de sua discreta ascensão a general de brigada.
Semana passada, perguntei ao general, o porquê de tudo isso; respondeu-me com uma frase que parecia saída do I Ching ; que a boa estratégia recomenda sempre deixar uma discreta saída para o inimigo encurralado, que não o faça sentir-se acuado,atacando e obrigando o vencedor a massacrá-lo , transformando-o em mártir cultuado de uma causa perdida e inútil ; fazê-lo pensar a retirada como uma estratégia produto exclusivo da sua astúcia, tornando a rendição um processo mais leve e sem o rancor dos perseguidos. No Planalto , um bruxo caolho e fardado , enxergava no horizonte ,a aproximação de hiperinflação , que somada á repressão política daria noutra coisa ,bem mais explosiva que meus inocentes coquetéis molotov.O milagre econômico apresentava a sua conta, tal um garçom bem educado da Bond Street. Então, urge sair enquanto é tempo ; Macedo repaginado e sempre igual a si mesmo, Il Gattopardo da caserna , mesmo de pijama e chinelo franciscano .
Os pombos revoam ; momentaneamente não ouço o general , suas palavras talvez assumam formação em delta, lá no céu , junto ás recém-chegadas andorinhas , seres semi – vespertinos ,evitados pelos pombos .
Acho bonito, semeio de milho as pedras da rua e espero o seu pouso , pacificadas e ruidosas. Contemplo o general, uma fantasmagoria contra o ocaso do sol , em fala trôpega sobre paz , liberdade e o que valia ser feito por ela, até matar. Escuto – o tranqüilo e acrescento que vencedores, faríamos a mesma coisa. Ele esbraveja e tropeça na gagueira espumosa da doença. 
O olhar ainda é firme e enérgico, as mãos tremem em desvario parkinsoniano.Ás vezes cospe as palavras , retoma o ritmo inicial durante algum tempo, a emoção traindo quanto fala de poder , equilíbrio, daquela guerra na qual tomamos parte ; halos senis delineavam suas pupilas . A barba mal feita dos parkinsonianos solitários salpica–lhe a velha face crispada pela arrogância vã e brutalidade resignada.Envelhecia cada vez mais sozinho.
Levantamos do banco , fomos até o boteco em frente , antigo reduto dos portuários . Pedimos café , sorvido em mutismo cúmplice e concentrado . Hoje eu pago a conta , afinal é sexta feira .


Conto de André Albuquerque


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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

,saturam-me

saturam-me o dia indeciso, a lua,
qual buraco amarelado em De sterrennacht, 

esta loucura que se esvai, definha, 

as cartas de amor e quem nunca as teve,
as palavras que não saem, entopem, engasgam-me,
que provocam vômitos de sangue, ou de vinho tinto,

satura-me a foda que não dei,

o nojo, o grito.

satura-me esse alguém que se quer ninguém,

esse ninguém que se diz uno, indivisível,
que Job questionou,

a mesa de poker envolta pelo fumo dos cigarros queimados,
o vício, a presunção da água benta, a morfina,

saturam-me

as noites perdidas que se julgavam desvendadas,
embriagadas,
as manhãs pelas tardes a dormir, 
(a barba por fazer).

e tantas vezes me saturo de mim que me satura o pensar,
a verve,

suturo a pele das cicatrizes abertas que me saturam
nestes perenes murmúrios, inacabados.

(I)

(intermináveis...)



Poema de Francisco Duarte

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