Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Casa vazia

Um silêncio tumular ressoa
na grande casa agora vazia,
por onde a solidão em pessoa
sobe e desce escadas todo o dia,
na paciente espera do entardecer.
A alegria da natureza que se impõe
escancaradamente no jardim,
dói como um nó pela garganta seca.
E a cadeira vaga na varanda,
à luz do sol a se aquecer
parece ainda mais vazia e muda.
Quem sabe a noite apagará as cores,
traga mistérios que a mim iluda!
E na ausência da luz se acalme
o clamor do peito curvado
sob o peso do passado inteiro.
E a escuridão generosamente encubra
os espaços tão sós e vazios
onde a felicidade andou a passear.

Poema de autoria de Elmira Nunes.

Poemas panfletários

Anti-herói

Você é um homem ou um rato?
Um rato ou um saco de batata?
Seu barraco num barranco,
o barranco num buraco,
o buraco – uma caixinha de fósforo.
A condução, sem condições,
uma lata de sardinhas.
Da quebrada ao centro
ratos em caixinhas de fósforo,
sacos de batata em latas de sardinha.
Ratos e sacos de batata
das caixinhas de fósforo
direto para as latas de sardinha.
Você é um homem, um rato
ou um saco de potato?
Você é um herói,
o meu anti-herói...

A Raspa do Tacho

Os homens dão as cartas.
Os homens voltam para casa.
Os homens fecham a cara.
Os homens vão à caça

enfileirados indianamente
no frigorífico mais próximo.
Carne humana é a fina nata
da mão de obra barata!

Eu só como carne de 2ª
e uso roupa de 2ª mão.
Eu só como carne na 2ª
e no resto da semana não.

Dependurado num gancho
de açougue pela goela,
eu sou a raspa do tacho
no fundo da panela.

SOS Favela

Favela sobe o morro
Favela desce o rio
Favela pede socorro
SOS Brasil

Favela sob a ponte
Favela ano 2000
Favela no horizonte
SOS Brasil

Favela cobre o viaduto
Favela pega no fuzil
Favela subproduto
interno bruto

SOS Vazio

Favela se conscientiza
Favela realiza
Favela se realiza
Favela concretiza


Poemas de autoria de Andri Carvão.

A praça do herói

A força de um vento sem sol e sem alma,
Soberbo relâmpago rasgando o escuro,
Corrida veloz, pombos na praça calma,
Vertendo na fonte um pedido seguro.
Só a força de algo como o pensamento,
Dá ao redemoinho o devido valor,
E a vida que vejo no exato momento,
Do dia findar derradeiro fulgor.
E a estátua da praça, sorrindo gelada,
Mostrando a destreza do herói lutador,
Esqueceu que deixou em distantes estradas,
O lar de Anita, verdeiro amor.
E sempre distante seguiu o caminho,
De lutas constantes por um ideal,
Com ela a seu lado, não segue sozinho,
Mas ela chorando a Terra Natal.


Poema de Paola Rhoden escito em Milão em 12/01/2011 em estilo épico e que fará parte de uma Antologia que será lançada em 11 de maio na Itália.

Viagem ao redor do entardecer

Uma bota gessada de cinqüenta dias de idade, coberta de desenhos,
frases, riscos e rabiscos de netos, outros parentes e aderentes, no
conhecido padrão da teoria do caos: no dorso do pé, homem de ferro
enfrentava um possível agressor extra-terrestre, no meio da canela, uma
caveira com a inscrição gope disposta em colarinho; na parte externa da
perna, pendia quase obscena, a língua carnuda de um rolling stone.
Rivaldo coçava a bota internamente com um mata-moscas, enquanto
acompanhava Bruno, numa hipnótica reprise televisiva com Eddie
Murphy; tão antiga, apenas o neto de nove anos, expert em sessão da
tarde e similares, conseguia rir daquilo tudo, pela zilionésima vez;
concessão de uma infância alegre e despreocupada. Vez por outra,
uma olhada no meticuloso trabalho da nora - sim , para ele nora, para
o filho, simplesmente a ex; bom, problema deles, a sua Amarylis
há muito partira deste mundo aguado; melhor para ela – pensou em
surdina, enquanto Cecília recolhia o quarto tapete com auxílio da
diarista; o carpinteiro fixava uma barra metálica no banheiro próximo
do seu quarto, quatro marcas na parede do corredor, indicavam a
iminente instalação de mais duas – não é o que mata velho mesmo?
Caganeira e queda , não necessáriamente nessa ordem, filosofou
contemplando a bota gessada. Encima da mesa, despontava do
embrulho uma luminária, cor de pêssego para a nora, para ele,
cor de erisipela braba: uma sentinela para o sono já peso – pena.
Rivaldo agora coçava as costas; para a nora, o seu melhor sorriso
aparvalhado. Não deixava de ver naquilo tudo, uma compensação
idiota para um descaso já indolor pela idade. Ele, Cecília e Bruno.
Uma família? Quem sabe? O filho mais velho, jogou tudo pro alto:
casamento, emprego bom, cidade grande e foi plantar uva nas margens
do São Francisco. De usura, deu três meses para o retorno do marido
pródigo, mas as coisas deram certo, vez por outra, uma caixa de uva,
com rótulo em dois idiomas, mimo para o velho pai . Sorriu para dentro
enquanto olhava as radiografias, contra o sol na janela: uma canela
rachada deu naquilo tudo, imagina se quebra o fêmur? Está ali, uma
rachadurazinha no meio do caminho, no meio da perna tinha uma
rachadura aos oitenta bem vividos; apenas aturado por falta de opção,
dizia o sorriso amarelo e o andar rebolante da...mãe do seu neto. Isso
mesmo. Mais oito dias: sem bota, estranhava a brancura pruriginosa
da própria perna, parecia não fazer mais parte dele. Bruno em casa,
as férias definhando, os dias embaralhavam-se no tédio, feito o carteado
sebento com que às vezes divertia o neto. Numa das últimas tardes de
janeiro, perguntou de chofre, as palavras pulando da cabeça para a
boca, direto, sem cerimônia, olhando firme para o garoto
- Bruno, vamos visitar teu pai, lá perto da Bahia?
Estranheza e alegria, os pequenos olhos sinalizaram em rápido movimento:
- Vamos. Nunca mais vi meu pai. Nessas férias não fui pra lugar nenhum.
Selado o trato, dedo nos lábios, pedindo o silêncio do neto e apontou na
garagem, a motocicleta deixada pelo filho, com o resto da antiga vida no
bagageiro: dois capacetes, um par de luvas, num saco plástico transparente;
um desafio negro, imponente até debaixo de poeira tão velha quanto a
fratura da perna. Na manhã seguinte, comprou gasolina que estocou
escondida na garagem. Lavou, limpou, regulou a moto, fingindo trabalhos
de carpintaria que afugentavam a faxineira: boa e oportuna serra elétrica.
Madrugada do dia seguinte, ambos de casaco e capacete, abriram as portas
da garagem, empurraram o cavalo de aço uns bons cinquenta metros.
Acomodou Bruno na traseira, ligou o motor, quicou a partida e
arremeteu, contra o vento seco de janeiro. Agora, a cem por hora, sentindo
o vento forte contra o corpo; o conjunto, uma vela enfunada sobre o
asfalto. Logo, a aridez da paisagem alternava-se com áreas verdejantes; vez
por outra passavam por cavalos e bois raquíticos, parecendo a caminho do
fim do mundo, em marcha desolada. Uma longa reta, surgem as primeiras
algarobeiras; Rivaldo grita para o neto que aquelas árvores são tipo
camelos de vegetação, crescendo no calor, quase sem água. O garoto
escuta de olhos arregalados, grita e gargalha, imaginando um camelo
com quatro galhos ao invés de pernas. Parada para o almoço. Bruno
de olhar parado, vendo um bode virando buchada, na cozinha do
restaurante de beira de estrada. Indignado, comeu apenas o pirão,
que era gostoso nem era bode. Povo danado de ruim, aquele dali,
que ainda matava o bode à cacetada. As pequenas cidades vão-se
emendando, feito um rosário de beato. A tarde vai findando; o sol, um
tição no céu avermelhado, vai saindo de fininho.


Conto de autoria de André Albuquerque.