Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



segunda-feira, 30 de abril de 2012

do dia


I

das lágrimas, se dizem purificadoras
por serem salgadas,

serão os sete mares
todos os choros da terra?

Sei que,
onde se esconde a noite tapam-se alguns pirilampos
prisioneiros da luz,

sei que,
a noite esconde os olhares das sombras,
algumas escondem-se
delas próprias para sempre, jamais saberei se os lirios trocam entre si as poesias,

onde tantas as vezes os referi.


II

do dia onde encontro a tua nudez,

vingam-se as noites em chuva,
apagando as velas que restam

e na sedição que sempre revelou,

esconde aqueles cometas que um dia viamos
por entre as nuvens transparentes.

Ficam-me os sabores dos seculos que se eternizam

pelo mar onde me navego


e ao longe avisto a ilha deserta que sempre procurei,
uma noite,

miragem, direi,

no centro da tempestade, sou.

Poema de Ricardo Pocinho (Transversal)

domingo, 29 de abril de 2012

pedras e céu


da minha janela
os pássaros vão desenhando nuvens

o tempo em seu afligir destelha o céu
como se sonho tivesse prazo

aquele beijo que não voou
pia na janela toda manhã
... vai falando de mim

desfolha-me até o espinho
no labirinto de outro peito

a tudo diz esquecer
perde-me entre dias perfumados

tecem ventos com mãos em concha
ao som da tua voz contornando
(tantas) asas aos lábios...


Poema de Vânia Lopez

Um peixe chamado Zé


Zé peixe
Dos ocenaos
Um sergipaninho
Danadinho
De tinhoso
Teimoso
Era peixe
Mais que um peixe
Peixe
Gente
Passáro
Porque sabia voar
Alem ceus
Alem mar
Por todo gigantismo
Era preciso
Saber dançar com golfinhos
Namorar as sereias
Ser interprete
Dos segredos oceânicos
Um pingo de gente
Que só ele
Tinha a chave do desconhecido
Lançando desafios
Ao singrar outros quantos
Mares e rios
De águas revoltas
Porque nadar
Pra Zé Peixe
Era pouco
Voar também
Era preciso
Descobrir novas minas
Águas salgadas
Doces e cristalinas
Mais que se navegue
Pro belo da vida
Descortinar outros mares
Nunca dantes navegado
Assim foi Zé
Um mestre
Um rei dos rios
Dos oceanos
Achava pouco ser peixe
Desejava ter asas
Por isso nadava contra a corrente
Do velho Sergipe
Rumo ao gigante oceano
Em busca das profundezas
Do sem fim
Sem limite de sonhar
Vento forte
Ondas fortes
Os abraçavam
Pra suportar
Tamanha aventura
Por tão franzino biótipo
Que nada de embarcações
Cada nadada
Descortinavas novos dasafios
Rumo ao horizonte
De navios e barcos
Que mais seguros
Poderiam navegar
E chegar
Além-mar
E o velho marinheiro
Á quem chamavam
De Zé
E era mesmo zé
Mais um Zé Peixe
Parecido os mais fortes
Ferozes tubarões
Nada disso
Um simples golfinho
Conhecedor profundo
Dos segredos do tenebroso
Zé pequeninho
Franzidinho
Contudo
Um senhor marinheiro
De nadadas largas
Rasas e profundas
Rumo ao mundo dos oceanos
Seu nome ganhou fama
Viajou pelo mundo
Virou textos e livros
Feito bem-te-vi
Voou alto
Não satisfeito com feitos
As peripécias por aqui
Desafiar Cielo
Xuxa em nado
Pra que
No alto dos oitenta
Atravessar a costa inteira
Foi coisa pequena
Zé Peixe
Figura popular
Solitária
Lendária
O mar foi pequeno
Pra um gigante navegante
Era mesmo um peixe
Que precisou outros áquarios
Largo e profundo
Pra bem mergulhar
pois tinha que flutuar
Remar contra tudo
E todos
Águas mornas
Frias e serenas
Mais poluídas
Driblar intempéries
Instabilidades das ondas
Do tempo
Rumo ao infinito dos céus
Era preciso
Procurava ser estrela guia
Pro visitante desconhecido
Dia e noite
Noite e dia
Brincando com outros astros
Fez-se gigante navegante
Por quem todos deverão
Aplaudir
E venerar
Seu agir e exemplo
De lição de vida
Mesmo que navegar
Nem seja preciso


Poema de Lizaldo Vieira

sábado, 28 de abril de 2012

Velho tema

Ao meu filho

Não sei se seguro
Areia ou figura.
Não sei se teus braços
Terei sempre assim:
Abertos, erguidos
Pedindo-me um abraço.
Não sei até quando
Terás no teu rosto
A frágil candura
Que o tempo desnuda,
Arranca e fratura.
Tormentas se formam
E agravam meu medo
De cedo perder-te,
De ver-te tragado
Por frio lajedo,
De ver-te levado
De mim, indefeso,
Tão súbito e quedo.
E embora te veja
Brincando e saltando
As ondas e a espuma
Que beijam teus pés,
Eu sinto, aziago,
As noite e brumas
Que logo virão,
Eu sinto pressagos
Os corpos de agora,
Que logo teremos
O mesmo destino
Das vidas de outrora.
Por isso não sei
Se areia ou figura
Seguro não mãos,
Por quais desventuras
Enfim passarei,
Por quantos extremos
Nós dois passaremos,
Se a paz do teu riso
Com que me jubilo
Será sempre um hino
Tangendo meus dias.
Por isso não sei
Se todo o meu zelo
Não passa de apelo
Que não vai deter
Teus louros cabelos,
O rosto e a figura
Da vã carnadura
Dos nossos momentos.
És folhas ao vento!
A imagem no espelho
Na qual deixarei
Meu lábio, meu beijo,
O fundo desejo
De em mim te reter,
Teimando suster,
Quimera, loucura,
A areia e a figura
Que eu hoje seguro.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

"ontem"


alheio veto(..em têrmo precedente)
casual demanda. de interesse(mútuo?)
pecado refém(e mantido!)
à demonstração incólume
à preferência e o controle
eu..
já eu nem sei a que me denotar..
(tardio, tardio..)

oh,
liberdade por decisão abstracta
das.
(minhas)linhas inteiras de ti..

às minhas preces
às minhas colheitas de febres
e
ainda,



é carta..
(é causa.)



- ferve!!





..







não te detém o crime simples
nem à terça parte do espaço em lapso que te há
uma. cena duvidosa por um pacto desfeito

e,

não te vêem em ilícito olho nú
não te controlam à marca da agulha
qual presença e qual história..
qual desvio.
império de mim.










..







vai.. é a tua trégua dos sonhos preferidos e meus
vai e te livra em assoalho dos desenhos que te fiz
me condena em fúria por um fogo que nao te ardeu
me denomina. ao predicado lugar em letra(fria) e giz

renega a frente do meu nome.. cai à minha esquerda
entrega à linha e partitura um erro crasso que despertou
ainda que te sonhem à alvorada, é sempre chama acesa
ainda que te consuma.. vai e nao olhe pra tras, meu amor..

deito este conto voraz.. à quimera passageira e carta-final
eu.. despeço-me da noite que nao te é, nao te faz ou vê
eu.. entendo-te! são os teus pecados fixos em água que te crê

eu sou a lâmina de todos os dias desiguais, um acto de frente
eu desfio a minha tragédia que te qualifica longe e lado poente
então.. é esta! a tola lápide do teu nome criado: um teatro-carnal







eu..
já nem sei o que te colhe
(eu nao pretendo esperar e ver!)
porque eu..
já nem acredito nestas chamas
eu.
nao me lembro de você..













..hoje.

Poema de Azke

descobre-nos


I

quero-me em tantos eus
que por vezes os esqueço,

e quando os reencontro já não os conheço
ignoro-os,

nesta

ignota viagem que queima a pele
ainda por sarar,
descobertas direi

nesta imensidão que o olhar já não abrange,
e,

quando me sento no meio de mim,
fala-me o eu que eu sempre serei.

descansam os outros.

II

descobre-nos,

descobre-nos no meio das orquídeas
que o nevoeiro escondeu

como se não existissemos, apenas sussurros

incompletos, repetidos.

e mesmo que invisiveis fiquemos na terra onde regressámos,
ficarão sempre as saudades

do dia em que partimos.


Ricardo Pocinho (Transversal)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

(e como eram bonitos os cravos vermelhos de abril)


Das certezas que deixei ancoradas
no algures do tempo,
vogaram algumas folhas de plátano
completando o circulo de todas as estações,

das certezas não tive saudades,

ou senti sequer falta,
tudo se modifica, tudo se altera,
mesmo brevemente que seja,
do tempo, nesse algures indefinido,
sim, e do areal também.

Mesmo que o mar tudo cubra nessas
revoltas constantes,
nessas idas e vindas,
mesmo sem o virar de costas ao olhar,

finco-me sem oscilar, enraizo-me
nas rochas como o albatroz cansado
se esconde da tempestade que o fustiga.
E esqueço o nevoeiro,
e esqueço-me, e rio-me do plátano, do arco-íris, das certezas, do mar, do areal, do albatroz, e do nevoeiro que cobre a espuma das ondas.

Afinal, nem o poema tem a certeza nas palavras,
nem a magia do coração que concentra o ritmo,
tantas as viagens com que nos brinda, brindará[?]

Brindemos então, e o vinho que inunde a mesa,
que escorra pelo soalho de madeira que range,
que regue os cravos de abril que jamais cresceram no algures indefinido do tempo mesmo que as saudades os provoquem.

E como eram bonitos os cravos vermelhos de abril,
termino assim:

das certezas que deixei ancoradas
no algures do tempo,
vogaram algumas pétalas de cravos vermelhos de abril
completando o circulo de todas as estações,
e mesmo que nesse dia no algures do tempo, chovesse,

e se gritassem vivas aos vivos, e a alguns que se despediram a lutar, poucas as certezas restaram,
saudades, sim, sempre as terei,

que os cravos vermelhos de abril ressuscitem hoje,
que se completem todas as cores em arco-íris,
finalmente.



Poema de Ricardo Pocinho (Transversal)

terça-feira, 24 de abril de 2012

carnação da canção


choro, me recusando;
o passado não esconde,
o tempo me indaga onde,
o lugar questiona quando.
velando, chamo: não venho.
aos duelos contra a parede,
meu pesadelo franze o cenho.
essa manhã me traz mais sede;
a tez da água em que me banho
torna-se, ao toque, mais clara.
lavo o rosto em frente ao sonho,
mas o olhar d'água não se separa.
a cada jorro o sorriso me escorre,
outro morre num verso que componho.
era feliz antes do sonho moribundo:
lágrimas novas, velhas conversas,
e o mar que sou vai mais bravio
às vontades as mais dispersas.
eu tenho pressa e não afundo
meu sonho em nenhum navio;
essa nau, recolho logo
e meu sonho, sombrio,
levo à água e afogo.

Poema de Caíto

Inspirado no poema "Canção" de Cecília Meireles.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

em flor


I


não sei se calarei a minha voz ou o eco,
cego o ego

pergunto-me se.

Se me envolveste mesmo no sonho
de ontem,
se o respirar era o teu?

Das flores do azevinho que deixaste
esquecidas pelo inverno passado,

ressuscitaram,
enraizadas nos corais amarelos que plantei no soalho de madeira

onde adormeciamos pela aurora.

II

em flor
da flor branca da orquidea

que o vento transporta em pétala,
migram ao longe
rios até ao mar,

cansam-se as tágides do tufão
que as empurra

como barcos à deriva perto de bojadores sem farol.

Avisa-me quando a solidão chegar ao poema,
se a ode entretanto se afundar

liberta as borboletas azuis
que ficaram aprisionadas pelo mar,

e procura-me no areal que aquela noite

deixou a descoberto,
descobre-nos.



Autor: Transversal

domingo, 22 de abril de 2012

seu pudesse escolher o que você vai ler


... essa é uma carta pra ficar
esteve muda o tempo todo
nem fria nem indiferente
uma afronta, apelo, aflição
sem dar um pio por dias e noites
com a raiva de Deus em seus olhos
suas olheiras acetinam seu impasse
chora aos montes por tiros de festim
se alguma vez amou, foi você
meu viaduto de sol
... essa carta roe as unhas, fala alto
é feita de cálice, seu sangue vendeu tanto
impassível em agonia e êxtase
o pulso que surra não usa roupa alguma
ama a seco sua doce devastação
mas houve um tempo em que não havia
nada mais importante que sua risada
... essa carta açoita, sangra e assopra
pergunta pelo sal...
mexe com seus cabelos
despedaça o ponto final
pois sabe que seus olhos não hão de conseguir ir...

... é uma carta de ficar
como água nova nas manhãs
(grávida de ti)




Poema de Vânia Lopez

sábado, 21 de abril de 2012

embrulhou o silêncio ao remetente


deixou o bordado
citou Baudelaire
abordou o rímel com zelo
enquanto o batom ganhava cor na boca
deixou uma ilusãozinha revirando a esquina
cegou as unhas com um vermelho puro
demitiu a meia arrastão
como anjos dispensando a penitência
o espelho sorriu com um brilho de loba rouca
encheu de suspense o relógio
sem trégua derramou os segundos
confortou o perfume Frances entre os seios
desinteressadamente,
como se o corpo estivesse longe
inundou o decote com as costas nuas
o tornozelo ia e voltava dançando na tornozeleira
a música mandava na vontade
apertou a alma dentro do vestido
invadiu a noite

a madrugada não voltou pra casa
sereníssima da silva
(sumiu para sempre estar ao seu lado...)



Poema de Vânia Lopez

molécula de água


nas farpas do arame
pingos cristalizados
- em degelo - refrigeram
o olho de fogo

e

nos lisos do fio
- de alta tensão -
andorinhas ajuntadas
invernam no tempo invernado.


Poema de Edilson José

sexta-feira, 20 de abril de 2012

se sopra onde quer (ir)

o céu empinando pipas, soprando cores no café da tarde, bolo mimoso,sequilhos na cesta anunciando a paz que vai chegar, trazendo flores e o movimento do seu sorriso acorda em mim alguma coisa que tece em ponto miudinho o calor da almofada, o gosto do beijo com folha de hortelã ao pé do assoalho da varanda em noite quente, a chuva fazendo amor com a terra como uma menina escondendo o corpo no vestido, enquanto a beleza cresce e para pegar seus olhos, fazer um suspiro enquanto deixa cair uma frase transparente em ponto alto e corrente, querendo mais com poucas palavras interrompendo a vírgula com tua mão pela cintura transbordando como ano novo no tonel em dia de chuva, ir lá com a minha alma raspar a manteiga com faca ardente, adoecer as mãos de Picasso criando-me do seu lado do pão... Autor: Vânia Lopez

quarta-feira, 18 de abril de 2012

[Ensina-me sobre os segredos do olhar de quem eu não esqueci]

Ensina-me e troca-me o olhar
enquanto tropeço,
afinal a terra parou,

o mar, destapa-se, esperguiça-se nesse algures,
esquece o horizonte
e fala-me dos silêncios,

dos silêncios.

E quantos mais mil anos de memórias terei de me relembrar para voltar nesse dia em preia-mar violenta?

Fala-me do amar, e navega-me até
onde a sede seca os cristais de sal
que o mar deixou esquecidos numa praia deserta,

navega-me até onde os pássaros
imitaram baleias nas migrações,
e voaram,
ou vogaram, tanto me faz.

Ensina-me e troca-me de novo o olhar,
mesmo que a terra se suspenda, se vire e revire,
ou adormeça,

que soprem ventos em remoinhos,
que se enfunem velas esburacadas,
enquanto empurro sem força algumas rochas que o mar esconde,
que me afundam,

que me obrigam a ficar,
que reste o branco das orquídeas que te ofereci um dia.


Ensina-me a regressar mesmo que a água encharque o barco,
e que as borboletas que morrem a voar
sejam enterrados no lado azul do céu.

Ensina-me a silenciar
todos os silêncios que me acordam todos os pesadelos.

Ensina-me sobre os segredos do olhar
de quem eu não esqueci.
Ensina-me.


Autor: Transversal

Amém

é pra você esse poema
como girassóis pelo caminho
água contra a natureza
a primeira tragada da manhã

é pra você
toda palavra que voa
o pulso que treme
minha colheita de milho
tua alma canto baixinho
como pássaros na borda da veste
um punhado de beleza
que ronda o céu do seu peito

passo a vida com teu cheiro
para molhar meu bordado
de lembrar-te
num sentimento fino
do que quer ficar
enquanto você vai em tantos planos

na pausa da oração
... depois do amém




Poema de Vânia Lopez

sábado, 14 de abril de 2012

O dia da terra

22 de abril
A gente
Grita
E berra
Pra ver se alguém
Nessa terra
Se lembra de sonhar
Com um país equilibrado
Desenhando um outro rumo
Com futuro melhor para o Brasil
Pois sabemos
Desde pequenos
Que dinheiro não se come
Que não se vive
Sem água
Sem florestas
Sem biodiversidade preservada
Sem esperança
Sem respeitos aos povos
Que da natureza sobrevivem
Por quem lutam
Cabana e vinha
E por isso morrem
Zumbi
Chico Mndes
Serigi
Até quando ?
Belo Monte
Trans amozónica
Transposição do velho chico
E código florestal vil...
Até quando esse modelo de sociedade
Mercante
Picareta
Entreguista
Inbecil
Vai operar
Matar
Poluir
Desmatar
Salve 22 de abril
Zumbi
Chico mendes
Antônio Conselheiro
Salve Serigi
Povos e nações
Xocó
Yanomami
Xingu
Viva o filho do Brasil
Que não se rende
Que não se vende
Que não foge à luta

Poema de Lizaldo Vieira

sexta-feira, 13 de abril de 2012

[que reste apenaso bater de asas dos pássaros que regressam]

Do que já não te ouço pela noite infinda,
reavivam-se as cores que relembro do caleidoscópio,
enquanto anjos e arcanjos disputam o bater de asas
com os pássaros que regressaram pela primavera;

“- Um dia encontrarás o teu paraiso!”,
por entre os caminhos de pedra banhados pelo sol
que ataganta a pele,
por entre os trópicos onde o sal do mar
encarquilha o corpo,
[escrevi algures],
como se algum inferno viajasse pelas tatuagens
esculpidas na pele;
“- Sombras que ficaram!” dirias.

Sim, porque só o aroma a canela que se cheirava vindo de longe
não nos chegava, queriamos os cheiros das tulipas, do rosmaninho,
tocar a linha que o horizonte tapava com nevoeiros cerrados,
assim eram os equilibrios dos bojadores longinquos de ti ou de mim,
queriamos, oh... desejávamos.

Sinto a tua falta, sinto a falta
dos bojadores que tracejavam o luar refletido
como se tudo fosse acontecer, pudesse acontecer
um dia ou uma noite,

sinto falta do que já não te ouço pela noite infinda.


[Que implodam os paraísos, os infernos, os trópicos inventados pelas primaveras em repetidos equinócios,
canso-me, que implodam os anjos e os arcanjos também,
que reste apenas o bater de asas dos pássaros que regressam].


Sabes, não me choro,
a chuva não dá tréguas às cataratas deste mar


Autor: Transversal

(morra como se fosse a lua)

seja gentil
se afaste dos meus olhos

compre o ar
numa tigela cheia de montanhas

deixe as palavras morrendo
nas páginas de velhas revistas

ponha o rio confuso no olhar dos peixes
que nadam em minhas veias
dê sua alma em troca
das loucuras de última hora

{brote em cada galho de silêncio}


coloque Roma em chamas
entre sussurros, champanhe
e estrelas

deixe à vontade esticar a mão
e traga-o de volta
como se a lua brincasse
dentro dos sonhos.

sem cansaço e zelo
voe sobre meu corpo
como se fosse a noite
uma eternidade
no horizonte.


Poema de Vânia Lopez

segunda-feira, 9 de abril de 2012

[um dia quebrarei alguns ventos do norte]

um dia quebrarei alguns ventos norte,
silencia-me,
sim, silencia-me,
enquanto a alma se enfuna e voga
para além do mar, porque não afora
como se as margens não se avistassem [?],
e os faróis se desligassem pela passagem
de um cometa qualquer, ilumina-me a rota,

e mesmo que alguns barcos não resistam
a tantos remares,
repito-te nos gestos, sim,
diferenciando-os depois da pele rasgada,


trespassa-me com as mãos, que
um dia,
se enovelaram no meu corpo.

E não te escrevo sobre o amar,
sim, do amar que se encabrita
e extenua, debilita-me e foge,
sim, que tudo transforma de saudades,
até estes ventos norte que um dia quebrarei,
um dia serei.

E não te descrevo o mar,
sim, do mar que me adormeçe alguns nevoeiros,
que me reflete de dia,
mesmo imagens distorçidas nos oásis de nenúfares
que ficam no meio dos sargaços.

Querem-se os corais em cor,
encaminho-os pelas palavras que o silêncio escolheu sem compreender como são belos,
como se a beleza não me silenciasse sempre,

como se te renunciasse.

Acorda-me, silencia-me, enquanto os teus lábios procuram os meus, respira-me nos ventos norte que um dia quebrarei,
e serei um sopro,
e serei um gigante.




Autor: Transversal

sábado, 7 de abril de 2012

De volta para casa

I

Bocas desmaiadas,
De sono escancaradas,
Viajam de volta para casa
Avenida afora,

Enquanto
Cabeças pendidas,
Em sonolência contrita,
Dormem o sono dos justos,

Nessa hora
Que se prolonga
E devora
O resto do dia
E das horas.

II

Vogam,
Em meio a lixos
E detritos,
Antigos destroços
De outrora;

De viagens,
Tratados, ilhas
E tordesilhas,
De tantas linhas,
Faixas, buzinas e sirenes
Dos que voltam para casa
Infrenes e sem leme.

Vogam
Tiros,
Gritos e vozes
Em meio ao martírio
De quem morre anônimo
Sem nunca ter lutado
Contra mouros ou assírios.

Vogam
Santas cruzes
E arcabuzes
A perpetrarem
O vilipêndio
De missas
Estandartes,
E incêndios,
Dos massacres
Que catalogam
A cidade.

III

Tudo que é perene
É só mais uma forma
Do provisório
Neste empório
Que é a história.

Por isto este mar,
Há muito seco,
Embora infindo,
Que guarda seus ecos
E os endereços
Marítimos ou citadinos
De tantos vascos,
Marcos, pólos e gamas,
Zhengs, vicentes,
Pessanhas, janszs,
Mendonças, lischontens,
Nunes, nunos e homens,
Sem glória e sucesso
Que voltam para casa
De mares, bares e azares.

Por isto este mar,
De quem
Não conseguiu regressar
E que hoje,
Sem canto ou narrativa,
Retorna para casa,
À deriva,
Em meio a vagas
Que aportam,
Em chamas,
As frotas soçobradas,

Lâmina
Que aflige e inflige
A chaga escusa,
Ibero-americana,
De toda uma raça chacinada,

Os becos e logradouros
De ocaso,
Esquecimento e atraso
Que não encontram
Escoadouro.


Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

Ps: Poema modificado após ler o belíssimo poema "Um dia quebrarei alguns ventos do norte".

sexta-feira, 6 de abril de 2012

cala o bico ou calabouço

só um minuto de silêncio
não vale um século calado;
não só ouça, não, pense-o
como sempre tivesse gritado.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

um poeta em pé de guerra,
de pé, e com mãos ao alto:
não chama deus, mas berra
flores, canhão ou asfalto.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

um poeta quase sem armas,
de arma, o punho febril;
sabendo, dos lados errados,
o lado errado de um fuzil.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

é entregue aos algozes
por gritar a voz alheia;
hoje grita só as vozes
nas celas de uma cadeia.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

um poeta sem vez, assombrado
por sombras próprias e luzes;
não crendo em outros pecados:
não outros, senão suas cruzes.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

tentaram calar-lhe o bico,
quiseram colar-lhe a boca,
mas ouve-se, do calabouço,
o eco da voz menos rouca.*

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

escondem-se suas palavras
entre as frestas da prisão;
calava, e não mais se calam
as vozes, agora de libertação.

cala o bico
ou calabouço
e acabou-se.

grita aquilo que lhe arde,
pede às guerras, paz e voz;
e outros tons unem-se à voz,
gritando em coro: liberdade!

calou o bico
o calabouço
e acabou-se.





inspirado nas histórias do José Silveira
e do Julio Saraiva,

em conversas com a Punkita, num trecho deste poema
e no poema Minutos de Silêncio.

inspirado também na música
Calabouço, do Sérgio Ricardo

e na música
Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores,
do Geraldo Vandré.

inspirado por tantas histórias de anônimos que sofreram
e sofrem por conta da ditadura militar no Brasil.


perfil do José Silveira
perfil do Julio Saraiva
perfil da Punkita
___________

Autor: Caíto

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Erro de Português



Achei, achei, achei!!!
Um erro de português!
Um erro de português!
Não o da escravidão negra
Que aflora outrora
Apagando a cor da aurora.
E dirá o teu patrão
Isso não é hora
de falar no assunto
Não é questão de classe
Aumenta o volume da Televisão.

Fabiano Soares

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Mauro & Maurício

O antigo relógio de parede da sala de estar já batia as doze badaladas da meia-noite e nada de Barbara chegar com o novo namorado. O pai Mauro já se encontrava aflito. “O que essa menina está pensando? Ela me paga quando chegar!” Pensava ele em seu andar atarantado pra lá e pra cá. Urgente. Agoniado. Desesperado.

Tocou a campainha e Mauro foi atender ensaiando o discurso de descompostura. Ao abrir a porta encontrou a filha acompanhada de um belo rapaz. Séria. Decidida. Tragicamente decidida. O rapaz constrangedoramente simpático.

- Oi pai! Esse aqui é o Fábio, meu namorado!

- Isso são horas? Perguntou Mauro fatalista.

- Eu posso explicar, seu Mauro. Posso entrar? – Fábio perguntava, argumentava amendrontado, mas firme.

Mauro permitiu. Bom e generoso como era, não era homem de extravasar sua raiva sem antes ouvir as justificativas do objeto de sua ira. Depois de entrar, os três se sentaram. Barbara e fàbio falaram sobre o culto da igreja. Sobre a esticadinha até a pizzaria mais próxima. Sobre o bate-papo que mascarava o amasso e a pegação. Era a primeira vez que Mauro via Fábio em sua vida e o rapaz lhe lembrava algo ou alguém que ele não sabia e no fundo nem queria saber o que nem quem, pois pressentia que era uma coisa muito dolorosa. Em seu papel de pai severo que quer saber com quem a filha anda, ousou perguntalhe o sobrenome.

- Vezzani! – Respondeu Fábio solícito. – Fábio Vezzani. Sou filho de Maurício Vezzani. Ele é um cirurgião super famoso. Conhece?

Mauro preferiria morrer a ter que escutar aquilo. Aquelas palavras eram várias facas a lhe perfurar os tímpanos e o coração; e invadiro os olhos e a alma sem dó nem piedade.

- Já ouvi falar por alto! – Sua boca respondia pesada e mórbida como a boca de um zumbi.

Barbara tomou a palavra:

-Já tá tarde e eu vou levar o Fábio até o portão, pai. Até daqui a pouquinho.

Mauro não respondia. Seus olhos estavam tristes, distantes, imprecisos, longíquos. Quando Barbara fechou a porta, amesma foi arrombada pelo passado dentro das lembranças do dono da casa em imagens cruéis e torturadoras. Sim. O nome Maurício Vezzani era um nome que lhe soava aos ouvidos com a mesma força apaixonadamente malígna de uma ameaça alienígena.

Se viu aos treze anos na quadra de esportes da escola. Era ótimo no handebol e fazia muito sucesso com as meninas, mas era fiel à sua namoradinha Raquel da mesma idade – pois a mulher sempre defende o homem de si mesmo nos mistérios nefastos da vida. Foi com os amigos pegar a bola que já estava reservada para eles. Mas a turma do primeiro ano do segundo grau já havia pegado a bola. Eles que eram do sétimo ano ginasial foram tomar satisfação com o líder da turma. Quem tinha que estar a frente era o líder Mauro. Chegaram na quadra e o líder do grupo que estava sobre o domínio da bola estava de costas dando as devidas instruções ao time. Bastou Mauro tocar em seu ombro para ele se voltar bem lentamente. Perguntou-lhe o nome antes de reivindicar a bola.

- Me chamo Maurício Vezzani.

Sim. Era a primeira vez que Mauro e Maurício estavam frente a frente. Mauro ficou pertubado com os olhos de Maurício. Olhos de quem era embiagado pela vida. E melifluamente se sentiu vampirizado. Maurício lhe propôs uma partida. Seus times jogariam um contra o outro. Partida feita. Jogo empatado. Zero a zero.

- Vamos jogar um vídeo-game lá em casa? – Maurício era pertinente em seu convite a Mauro. Meus pais estão viajando. Não tem ninguém pra encher o saco.

Mauro sabia que ao aceitar esses e outros convites jamais seria o mesmo; mas quando o clamor dos sentidos grita na veia, ele impele e incita algumas pessoas a fazer o emocional e não o convencional. Aceitou estes e outros convites. Quando chegavam ambos sabiam que não existiria vídeo-game. Existiria sim: o desejo pagão de dois jovens da antigüidade; o amor profano de dois sacerdotes de um deus da colheita; a explosão do gozo maldito; a chuva de sêmem a inundar a cama, as paredes e o chão do quarto de um adolescente; e finalmente, a paz clandestina dos amantes undergrounds.

E foi sendo sempre assim por mais ou menos dez anos. Até que a mãe de Maurício, dona Irma, descobriu tudo. No seu semblante tranqüilo e carismático de uma aparente resignação, fingiu aceitar em sua paz cristã de mulher religiosa. Mas ao se descobrir traída pelo marido, fez questão de visitar a amante do companheiro e lhe intimar:

- Você vai me ajudar a acabar com uma certa palhaçada!

A amante mudou de papel. Foi incubida de abandonar o pai e seduzir o filho. Em seu período fértil foi apresentada a Maurício. Bela e sensual como era não foi difícil levar o jovem para a cama. Engravidou.

No terceiro mês de gravidez foi junto com dona Irma fazer uma visita a Mauro. A mãe de Maurício tomou a palavra:

- Está vendo esta moça ao meu lado, Mauro? Ela está grávida do meu filho Maurício. Agora sim. Meu filho pode ser todo seu; pois por mais que vocês se gostem, jamais terão esse prazer de ver os traços de vocês dois correndo, pulando, rindo, chorando, crescendo em um ser. Jamais vão ver a continuação disso aí que vocês chamam de amor pulsando na vida de uma pessoa.

Mauro não precisava estar passndo por aquilo. Sabia que seu relacionamento com Maurício não seria eterno e enm queria que o fosse. Sabia que Maurício gostava de meninas também e sempre respeitou, pois ele também não as ignorava por completo. Como toda coisa que não é provocada e sim acontecida, não deveria haver acusações, nem condenações , nem punições. Não merecia sentir aquela dor ao ter a gravidez daquela moça que nunca havia visto antes jogada em sua cara. Não merecia descobrir de forma assim tão violenta que o caso entre ele e Maurício era mais forte do que ele pensava; e por isso incomodava.

Aquelas palavras além de machucar o enlouqueceram com perversa doçura. Se sentiu despencando em um abismo escuro e fétido que o destituía de sua identidade. Enchendo-se de vergonha e culpa, nunca mais quis ver Maurício em sua frente. Passou a se vestir de mulher. Não tomava mais banho. Falava sozinho pelas ruas. Se alimentava das oferendas das encruzilhadas. Se feria propositalemnte com gilete. Mas Raquel, a antiga namorada, voltou a cruzar seu caminho; e apaixonada estendeu-lhe a mão – curando sua alma machucada. Levou-o para a igreja e lá se casaram. Raquel engravidou e, doente, morreu do parto da filhinha Barbara – que nasceu linda, forte, saudável. Mauro criou sozinho a filha sendo pai e mãe; melhor amigo e professor; psicólogo e confidente. Barbara era uma luz em sua vida e sua existência lhe dava um novo e maravilhoso significado.

Agora estava ali naquela sala, olhando para aquela porta restaurada pelo memos passado que lhe trazia de volta ao presente.

- Ele já foi! – Disse Barbara entrando receosa.

Mauro foi incisivo:

- Não quero que você veja este rapaz novamente.

- Eu tô grávida! – Barbara respondia com uma gota de lágrima a lhe cair do olho esquerdo.

- Sua louca! – Mauro gritou desferindo-lhe uma sonora bofetada.

Barbara correu a se trancar no quarto, se debulhando entre gritos e lágrimas. Nunca o pai havia lhe encostado um dedo sequer. Sempre fora o mais compreensivo, carinhoso e compassivo nas mais sérias travessuras e peripécias da filha. A moça sofria. Conheceu Fábio três anos antes na festinha da igreja. Depois se descobriram matriculados na mesma escola durante uma partida de handebol meninos versus meninas. Na festinha da escola deram o primeiro beijo, passando a namorar escondido logo em seguida. O período de namoro às escondidas foi delicioso. Aquele mundo maoroso era só dos dois. Nenhum parente, nenhum amigo a pertubar-lhes a paz secreta dos amantes. Mas tudo cresce a tal ponto de se tornar insuportável. É quando entra o sexo. Desmaiou numa aula de Educação Física. Na hora de pegar o resultado com o médico quis desaparecer. Ainda nem conhecia a família de Fábio. Já estava no segundo mês de gravidez e apesar de não esperar uma reação tão violenta do pai, já pressentia que ele não gostaria nada nada daquilo. O único fato que lhe salvava de uma possível tentativa de suicídio era a alegre surpresa de ter visto nos olhos do namorado a felicidade e ternura em se saber futuro papai, apesar de tão jovem. Se sentia fortalecida.

Fábio contou tudo para sua melhor amiga confidente, a avó dona Irma. A velha senhora ficou radiante em se saber futura bisavó. Ainda não conhecia a moça, nem sua família, mas já amava a todos por ajudarem a aumentar seu clã. Sua prole se perpetuava de forma sublime. “E só em imaginar que aquele veadinho sonso e nojento do Mauro quase destruiu isso tudo ao seduzir o meu Mauricinho”. Pensava ela em seus botões de seda. “ Mas graças à Deus aquele lá já se foi. Deve ter morrido de aids a uma altura dessas”.

Fábio levou Barbara para morar com ele no casarão dos Vezzani. Mauro não esboçou nenhuma reação. Apático, impotente deixou a filha ir com o pai do filho que esperava feliz, amendrontada, tensa, esperançosa. Em seu sofrimento de avô que não estava preparado para aquele neto, ele ruminava medos apreensões, recalques e solidões de uma vida toda de fuga de si mesmo. Sabia que jamais poderia matar o passado, mas poderia sufocá-lo como fazia desde a morte de Raquel e do nascimento de Barbara; podia soterra-lo nas preces que entoava aos gritos e nas canções religiosas que ouvia até o último volume do rádio, incomodando toda a vizinhança cada vez que se lembrava de Maurício. Agora, sabendo que sua filha abrigava em seu ventre um neto que era seu e de Maurício, não suportava o fato de saber que Barbara, antes sua tábua de salvação, agora o obrigava a andar sobre o fogo, a água e o ar – pois ela não pariria apenas um bebê. Pariria também o gosto do sexo de Maurício em sua boca, a humilhação de dona Irma, sua própria loucura. Ele usava sua fé para fugir do passado, mas aquele neto era sua fé, seu passado e seu presente. E para conseguir ama-lo no futuroao invés de sufocar, teria que manter sua velha paixão acesa. Nem que fosse em outro patamar. Em outro prisma. Em outra vertente.

Seis meses se passaram. Era chegada a hora de Barbara dar a luz. Foi sentindo as contrações, cercada pelos mimos de Fábio, dona Irma e do sogro Maurício. Este faria o parto. Estava imensamente feliz com a chegada do netinho. Sim. Agora sim. Sua vida eria sentido. Teve vontade de morrer quando Mauro o expulsou de sua vida. Tinha sido embebedado pela mulher que depois de casados ambos um com o outro, descobriu ser ex-amante de seu pai. Após a confirmação do teste de DNA de que Fábio era realmente seu filho, conseguiu amá-lo sem culpas, nem acusações. Mas matou a mulher aos poucos e involuntariamente; quando ela já apaixonada pelo marido teve que suportar seu desprezo, sua frieza, suas traições. As vezes em que ele, bêbado, a amava pelas costas balbuciando baixinho e inconsciente o nome de Mauro. O câncer que a assassinou foi para ela a grande solução.

Quando soube da loucura de Mauro, Maurício quis vê-lo; mas dominado, acuado pelas ameaças da mãe de coagir o pai a deserdá-lo, desistiu. Triste, melancólico e solitário viveu somente para seu filho e sua profissão. Se perdeu e se achou em saunas, banheiros públicos e cines pornôs nos braços de jovens rapazes; na esperança de reencontrar neles pelo menos um pouco de Mauro ou de sí próprio, de sua juventude.

Nasceu um lindo bebê. Amado, esperado, forte.

- O seu pai não irá vir conhecer o neto, minha filha? – Perguntava dona Irma para Barbara.

A jovem abaixava os olhos desamparados de saudades do pai.

Depois de deixar o bebê no colo da mãe por alguns longos minutos, Maurício pegou o neto no colo. A porta do quarto se abriu e nele entrou um taciturno senhor de cabeça baixa. Todos se sobressaltaram. O senhor levantou a testa, depois os olhos, depois o nariz, depois a boca, depois o queixo, depois o pescoço. Até sua cabeça inteira ficar ereta.

- Pai! – Disse sorrindo uma emocionada Barbara.

Dona Irma entrou em estado de choque. Totalmente petrificada, não podia acreditar ser aquilo verdade. Reconheceria aquele rosto até no inferno. Seu bisneto poderia ser neto de qualquer outro infeliz menos daquele degenerado. Depois de tudo que ela fez agora teria que conviver com aquilo. Aquele bisneto a humilharia para o resto da vida. Mas o que puxava seu tapete, também a fazia refletir. Não era má. Muito menos uma bruxa de contos de fada. Apenas precisava de sua perpetuação para continuar tendo fé na vida. Maurício era seu único filho e Mauro era uma ameaça. Por amor às suas certezas, destruiu o que acreditava ser errado. Mas ao ter que engolir o fato de ver Maurício e Mauro avôs de seu bisnetodescobriu que há um mistério muuito maior que suas próprias certezes; onde o certo e o errado perdem todo o sentido. E era esse mistério que fazia ser aquele bisneto a fé na vida, mas também o medo da morta. Ser a esperança, mas também sua maior desgraça. Descobria, enfim, que o amor não se define, não se justifica, não se classifica. Ele é e pronto. E ponto final.

Extremamente fragilizada perante a realidade que se despia em sua frente, pôs-se a chorar copiosamente.

- Vim conhecer meu neto! – Disse Mauro em tom de redenção.

Maurício entre um sorriso e uma lágrima lhe estendia o neto. Mauro olhou em seus olhos. Os mesmos olhos outrora embiagados, agora pareciam dolorosamente sóbrios. Mas o jogo agora era um a zero. Quem vencia? Nenhum dos dois sabia. Talvez o amor. Talvez a vida. Nada mais importava. Nada mais existia. Apenas aquele neto era uma doce realidade. Uma realidade que os religava; que os recomungava para o futuro. Um pedaço dos dois misturados, cujos traços correria, pularia, riria, choraria num só ser. Pulsaria na vida de uma pessoa.


Marcio Rufino
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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Engana-me que gosto

Sem essa do me engana que eu gosto
Areia
Meu bem areia
Areia de Maruim
Quem não gosta de areia
Também não gosta
De mim
Sou brasileiro
Quebrado da gema
Gosto de carne seca
Sarapateu de bode
Com uma friota
No meio da feira
Aos trancos e barrancos
Vou vivendo
Com ou sem dinheiro
Viramo-nos
Compro banana mais barata
Frutas fresquinhas
Inhame d’água
Na barraca
E sempre produto fresquinho
De primeira ou de terceira
Tudo regateado
Pechinchado
Pinga fogo
Ponto no í .
Só Não ponho lenha
Nem tempero
Na panela alheia
Pode sair queimada
Com caldo insosso
Prefiro não assumir a culpa
Pelo mau gosto
De música
Gosto e entendo
Um pouco de tudo
Escolho a dedo
A letra
Pode ser brega chique
Forró da Clemilda
Prenda o tadeu
Piada do Ton Zé
Na sombra da jaqueira
Do Josa
Não sei por que iludir-se
Em mentir pra você mesmo
Que não assume
O gosto popular
Pode mangar de mim
Chamo mesmo atenção
Tocando meu pancadão
Um bregão
Fzendo isso
Rendo um troco
Para a economia popular
Deixa que xinguem
Que falem
Que virei um bregueiro de primeira
E quem não virou
Vai virar
São João vem ai
Tocando baião
Forró eletrônico
De calcinha preta
Vai dizer que não gosta
Que isso é só pra careta
Ái que bom
Um samba de roda no interior
Um forró no pé da serra
Na casa de nô
Uma ou vez ou outras
Dou uma esticadinha por lá
Quem não passa na banquinha da esquina
Pra por a sorte em dia
Com o bicho do dia
Vai dizer que não come buchada
No meio da feira de gloria
Tomando pinga
Com casca de pau
Na barraca do Babau
Daqui a pouco tem gente
Querendo assumir
Que não gosta do mela mela
No são Pedro de capela
Me-engana-que gosto
Dum trossu dessee
pode ser
Mal me quer
Bem me quer
Bem querer
Falta de grana
Ou má vontade
Com a freguesia
Conversa doida
Pura ressaca
Do meganha
Ói
Vai petear macaco
Que è melhor
Pra não ficar com cara de tacho
Por chilique
E vexame
Nem chame
Vê se estou lá na esquina
Eu tô
Que tô
Nem aí
Pro jegue acuado
Nem tudo o que reluz é ouro
Diz o ditado
É mesmo que dizer
Que o etanol é ecológico
Preserva o verdes
Só se for
O verdinho monetário



Poema de Lizaldo Vieira

domingo, 1 de abril de 2012

a após você

... encosta teu chapéu
vença um anjo pelas veias
dome um couro
traga o silencio no terno mais afiado
seja tão bonito que surgirá
e me golpeará como um martelo
embeleze o atlântico norte
como um par de sapatos novos no natal
... o ar fresco sabe bem
a noite carregada de perfume
(tantos e tão diferentes)
há sempre silencio
quando não ouço de ti
o anjo se funde com a palavra esfinge
vá! Supere o vento!
seu olhar rasgando o céu
assombrando a memória do corpo
o coração batendo como se fosse... (o) meu
... ensine como respirar novamente



Poema de Vânia Lopez