Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



quarta-feira, 29 de junho de 2011

Aos teus pés

Meu São João encontrou-me de joelhos, despalavreando as rezas que aprendi da minha

mãe. O tempo arrastou-me pra lá e pra cá e derrubou – me de onde nunca saí: desta

casa, dos pés desse oratório, três filhos e um homem que já foi meu e hoje não é mais

de ninguém: Gabriel e Belzebu, sem lado de avesso nem desavesso, surra de cinturão

e doce de mamão. Nas quebradas da serra do Milho, o foguetão ribomba, fazendo eco

de grota adentro enquanto tento rezar um pai-nosso, catando palavras no meu juízo

desleriado, como que esvazia um mealheiro, moeda atrás de moeda, uma fé amolada

que não me dá mais sustância de fincar o pé, levantar a cabeça e pelejar contra

as desencontrancias da vida. A janela aberta traz o frio das serras e a visão da minha

fogueira, tão bela, isolada e desolada, tão grande, quase um pecado de boniteza num

tempo de coisa santa, do meu São Joãozinho, ali, no meio do meu terreiro varrido e

varrido desde manhã cedo. Olho a estampa de meu santo no oratório, abraçando seu

carneiro, mas o olhar se desimpacienta e percorre o resto da sala, os retratos retocados

do dia do meu casamento e o do meu pai e minha mãe – na graça de Deus desde 97.

Minha mãe queria ser enterrada de mortalha, mas no calor da doença, arrenegou tudo,

como quem quer apostar contra a morte e testar se a gente acreditava mesmo que ela já

se ultimava. Neguei que tinha costurado a mortalha, mas minha irmã Corina, feito os

pés da Besta, contou que já estava cozida e dobrada; tudo no medo torto de

desgostar nossa mãe, até na hora da morte – dizia olhando pro chão, dando um

riso doido, abilolado mesmo. Meus meninos foram cedo pra rua, catar namorada nas

festas, precisão de mulher é bicho danado. Fora as velas do oratório, a casa tá toda

apagada, um sossego frio me abraça pelas costas. Levanto, no meu quarto, acendo

a luz, visto a mortalha da velha, vejo o corpo estrebuchado de meu marido, olhar

grelado daquele que sangrei feito um bode, em cima da cama, sem raiva e sem medo,

só por precisão minha. Beijo-lhe a testa, boto a faca encima do seu peito, entre as

mãos: rosário de ateu desgraçado. Do espelho da porta do guarda roupa, uma

boniteza triste vestindo aquela roupa. Mas tudo ficou pra trás, o que vacilou eu

empurrei no buraco das desacontecencias. Resoluta, abro a porta da frente, sentindo

a friagem do sereno no rosto, caminho até o terreiro, mergulho no ardor de meu São

João; o fogo queima por dentro e por fora, mas a dor já não está mais aqui. Nem eu.


Conto de André Albuquerque