Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



sábado, 3 de novembro de 2012

Conversa na Praça

Os pombos não me estranham mais,até pousam aqui no banco, ao meu lado;da espera arrulhante do milho, ao avanço direto sobre o saco , poucos dias de avaliação mútua. Fico a sorrir,da facilidade com que os hábitos se afeiçoam a nós, homens e aves.Passo as tardes aqui, na Praça Rio Branco, a alimenta – los e encorajar rasantes cada vez mais longos sobre mim , bípede implume, na contemplação muda e aparvalhada da sua arte de voar. 
Olho a vida passar nos seus bicos; um ninho em formação,o arrulho de ciúme de um novo parceiro dos céus ; a qualquer ocorrência celeste, chuva ou sol: fuga e regresso, exercícios vespertinos de liberdade e leveza de pombos.Revoam ao longe, fazem um desvio em direção á torre da igreja e aterrisam, alguns sobre a estátua do chanceler , á minha frente, outros se acomodam como podem, no pequeno gramado , perto do rio.
O milho está acabando e ainda não sei se voltarei amanhã.Os dias têm sido frios, feios e cinzentos, uma desolação externa que pega a gente pelo pé, se não tivermos cuidado com o motor da melancolia , esse inverno teimoso. Um sol morno, vez por outra, joga-me depressão no colo, com o pronto exorcismo pelos meus amigos voadores .
Antigos companheiros vêm rever-me , sentam aqui, ao meu lado, conversam ainda furtivamente sobre o passado ou ajudam-me alimentando os pombos, numa espécie de obsequioso silencio , depois saem, no passo trôpego dos velhos, nada mais esperando de mim,alem do silencio.O general Macedo ás vezes aparece á tardinha , no passo miúdo e tremulo do Parkinsonismo . E os do partido ? Passam, olham-me como olhariam a múmia de Lênin e percebo que ainda sou um calo nas suas vidas,uma perna estirada na histórica estrada do partido, para o esbarro ou queda de alguém , pouco importa.
Tornei-me um sobrevivente problemático, pois nem morri nem vivo oficialmente (estaria morto no sentido lato?) ; penso no já longínquo 1973,no fusca metralhado e incendiado,nos quatro cadáveres carbonizados,nas fotos dos jornais, na viagem aflita de minha irmã ao interior, para tranqüilizar minha mãe, dizer que aquela foto bem comportada no jornal era minha, mas nada provava que eu estivesse realmente morto e ainda querer que minha mãe acreditasse ,sem lhe contar o resto.
Mas fiz o que foi preciso para Ângela , às crianças e até para o bem da causa que abandonei como que abandona um navio em chamas.Morri; seis anos depois reapareci, de carrão do ano, visitando minha mãe que chorava de alegria.Vi a última foto de meu pai, morto de verdade no meu interlúdio de defunto, com estadia no Chile e tudo pago. E ninguém me confirmou a ressurreição.
Cumpriram o que prometeram.Queriam uma saída honrosa.Quem diria, os torturadores queriam mudar o jogo e eu seria um instrumento da mudança. .Entreguei nove companheiros que sabia estarem fora do país, viajando sob nomes frios e passaportes quentes , como parte do combinado.Fiquei de queixo caído : eu, ex - terrorista, agente de paz e concórdia.
Surpreendente aquela estrutura em ação.Todo aquele aparato triturador de gente,era apenas anarquia perfilada ,uma gigantesca farra na caserna; iniciaram um processo sobre o qual perderam o controle e depois começou a recuo.A turma que fazia aquilo não era idiota . Inteligência e perversidade , em convivência íntima, fazem coisas terrivelmente notáveis.
Procuraram-me através do Marcos , meu até então alienado parceiro de pelada e colega de curso, lá da Católica ; mijei de surpresa : eu, uma Polyana de esquerda ? Sim senhor, no melhor dos mundos esquerdistas possíveis, até a cantada direta numa mesa do Tio Pepe ,ao som do mar e á luz do céu profundo . 
A anarquia disfarçada em super ordem , em rigidez ditatorial, a baderna fardada, assassinando e até pilhando , nas suas conveniências .A maioria discordante, silenciando . Daí, eu morri.Carbonizado. Tiçãozinho. O então coronel Macedo era o regente daquela outra orquestra vermelha , de sangue.Á perfeição, regeu minha saída e reentrada em cena ; se não triunfal, eficiente. 
Os companheiros dirigentes sabendo de tudo; ninguém foi preso por minha falação.Arranjaram-me até emprego num órgão federal outrora controlado por nós,voltei a usar meu nome verdadeiro e tudo o mais , seis anos depois. Ninguém da imprensa perguntou nada.Quem seria besta , mesmo na tal ditamole ? Ainda empastelavam jornais, Principalmente os nanicos. 
O coronel e sua turma fizeram meia-volta do teatro do paredão e do pau de ararara. Mandaram um relatório para os gringos,informando da minha prisão e morte, durante a fuga, com outros três terroristas,treinados em Cuba, doutorados em terrorismo pela Universidade Patrice Lumumba .Genial a minha nova história de vida.
Na repartição: ex-preso político ,libertado, retomando a vida . Meu (a essas alturas) querido coronel,saiu de cena como torturador e voltou a ser o que deveria ser um militar, o partido e a repressão negociaram minha morte e minha ressurreição .Os gringos aceitaram sem pestanejar a versão do velho Macedo, our old friend , recomendaram até sua promoção e lá se vão trinta e três anos de sua discreta ascensão a general de brigada.
Semana passada, perguntei ao general, o porquê de tudo isso; respondeu-me com uma frase que parecia saída do I Ching ; que a boa estratégia recomenda sempre deixar uma discreta saída para o inimigo encurralado, que não o faça sentir-se acuado,atacando e obrigando o vencedor a massacrá-lo , transformando-o em mártir cultuado de uma causa perdida e inútil ; fazê-lo pensar a retirada como uma estratégia produto exclusivo da sua astúcia, tornando a rendição um processo mais leve e sem o rancor dos perseguidos. No Planalto , um bruxo caolho e fardado , enxergava no horizonte ,a aproximação de hiperinflação , que somada á repressão política daria noutra coisa ,bem mais explosiva que meus inocentes coquetéis molotov.O milagre econômico apresentava a sua conta, tal um garçom bem educado da Bond Street. Então, urge sair enquanto é tempo ; Macedo repaginado e sempre igual a si mesmo, Il Gattopardo da caserna , mesmo de pijama e chinelo franciscano .
Os pombos revoam ; momentaneamente não ouço o general , suas palavras talvez assumam formação em delta, lá no céu , junto ás recém-chegadas andorinhas , seres semi – vespertinos ,evitados pelos pombos .
Acho bonito, semeio de milho as pedras da rua e espero o seu pouso , pacificadas e ruidosas. Contemplo o general, uma fantasmagoria contra o ocaso do sol , em fala trôpega sobre paz , liberdade e o que valia ser feito por ela, até matar. Escuto – o tranqüilo e acrescento que vencedores, faríamos a mesma coisa. Ele esbraveja e tropeça na gagueira espumosa da doença. 
O olhar ainda é firme e enérgico, as mãos tremem em desvario parkinsoniano.Ás vezes cospe as palavras , retoma o ritmo inicial durante algum tempo, a emoção traindo quanto fala de poder , equilíbrio, daquela guerra na qual tomamos parte ; halos senis delineavam suas pupilas . A barba mal feita dos parkinsonianos solitários salpica–lhe a velha face crispada pela arrogância vã e brutalidade resignada.Envelhecia cada vez mais sozinho.
Levantamos do banco , fomos até o boteco em frente , antigo reduto dos portuários . Pedimos café , sorvido em mutismo cúmplice e concentrado . Hoje eu pago a conta , afinal é sexta feira .


Conto de André Albuquerque


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