Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Auto-pista da praia

Ao meu lado, tão linda, a beleza flagrada em pleno sono; um corpo

entregue à própria lassidão, neste casulo de ar condicionado e

silêncio, a duzentos quilômetros por hora. A pista é agora uma reta

sem fim, os pneus produzem um som de água correndo,a paisagem

pouco mais que borrões verdes na minha retina. Pequenas cidades

e povoados surgem e desaparecem, no zapear da velocidade, são

figuras que vão se amontoando lá para trás, comprimidas pelo

vácuo em suas vidas tranqüilas e pacatas. A bela Inês repousa do

mundo bárbaro. O caderno sobre o colo, a caneta presa na espiral

e servindo de marcador , a regularidade dos traços rafaelitas, acima

do bem e do mal, aprisionados num clic de máquina fotográfica. Os

seios de talhe perfeito, maciços, estufando a camiseta no relevo de

mamilos divinos, ainda eriçados pelo frio. Uma deusa pós-moderna,

Pégaso no braço, tentando alcançar o sol de tinta e raios trêmulos.

Fantasia versus Realidade, dizia a mensagem no celular. Nem

lembro mais do escore, apenas abracei-a e beijei-a, um abraço de

náufrago, um ismael escapando do afogamento, agarrado ao

esquife do companheiro, mas tragado para sempre, para dentro

daqueles olhos castanhos e subitamente inexpressivos, límpidos.

A calma suprema de quem contempla uma implosão muito longe,

Anos-luz de rápido distanciamento emocional e compaixão zero,

impossível de fingir, pois fingir nunca foi o seu forte; durante

alguns anos, foi minha fortaleza o fingimento, aturar a mulher que

não me amava mais, um casamento natimorto sem descendentes

a celebrar meu grande vazio. A natureza abomina o vácuo – nem

lembro mais quem falou; surgiu Inês em minha vida, uma neo –

-realidade suburbana, a sensualidade safadinha, sexo na cabeça

e na alma; chutei o pau da barraca, fiquei sozinho do jeito que

nasci, segurei pelos longos cabelos, aquela oportunidade de provar

que ainda estava vivo e buliçoso. Nunca moramos juntos, assim

exigiu, assim existimos. Dois anos e uma crônica de amor louco

para sempre inédita, pois nunca escrevi nada a respeito do amor,

além da sala de aula, dos modernos cânones literários, o suficiente

para o vestibular de qualquer coisa que termine em contra cheque

regular e aposentadoria decrépita e vazia, melhor dizendo, até um

ex-namorado ressurgir do reino das sombras e cravar a estaca no

meu peito arfante de quarenta roliúdes por dia. Estrepitosamente,

ridiculamente, caí de quatro, tomando todas, cafungando, sempre a

chafurdar na própria merda. Não sei quanto tempo fiquei nesse

esgoto, até que resolvi metabolizar aquilo tudo, marcamos um

encontro na praça em frente do cursinho; deixou a estranha

mensagem no celular. Chegou linda,sorridente, beijou-me de leve,

um beijo de lápide funerária, que me virou pelo avesso. Um abraço

cem por cento angústia, dor de corno em estado de arte. Comemos

um sanduíche na lanchonete em frente, convidei-a para uma volta

de carro; aceitou constrangida, rodamos um pouco pelo centro;

do rádio, Stevie Wonder e Superstition não me deixavam espaço

pras abobrinhas, a mente funqueava à toa, gaguejava pensamentos

e fragmentos. Na verdade não tinha mais nada a dizer, muito menos

ouvir, percebi ao contemplar o seu perfil. Parei e pensei. Olhei-

a bem nos olhos grandes, acariciei seus cabelos e atirei entre os

seios; aquele rosto não merecia ser estragado. Ela simplesmente

virou a cabeça para a janela e mergulhou no sono profundo. Dei

partida, peguei a autopista do mar e segui em frente; há dois

dias viajo com a rainha morta, Inês, que seria de Castro se um rei

traído não fosse eu e fossem as pessoas nas ruas, obrigadas a

beijar-lhe as mãos, tão belas e frias, em muda admiração.


Conto de André Albuquerque.