Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



domingo, 1 de julho de 2012

O maçarico

O maçarico descascava e cortava a chapa de aço ; um tosco retângulo tomava forma rente ao piso brilhante , recendendo a desinfetante barato e pano de chão ; Eufrásio dirigia a chama ; o medo e a máscara protetora á frente do rosto ,guardando-o das fagulhas intermitentes , ajoelhado sobre o piso polido e regular .

Quinze minutos sem romper uma chapa que não resistiria a dez : algo errado ; uma olhada em torno , flertou com a penumbra e seus habitantes : móveis de aço com revestimento imitando madeira , ar parado , em recesso letárgico . Na parede, a foto oficial do poderoso de plantão , velhas e feias cadeiras ; numa delas,um paletó branco com uma gravata preta a guarnecer um ombro , calendários de mesa , fotos familiares emolduradas de algumas pessoas parecendo ridiculamente felizes , veladas pelo silencio obsequioso e ladeando computadores desligados , no sono de pálpebras escurecidas .

O cilindro de acetileno, mais leve ,contrariava as expectativas , começando a dar sinais de cansaço e esgotamento . Agora , pegar o outro cilindro amarrado no bagageiro da bicicleta , escondida num canteiro, lá na rua. Praguejou , emputeceu-se em surdina na fúria seca e estéril .A noite , em primeira infância, repleta de possibilidades , deslizava sob os ponteiros dos relógios de parede e de pulso,na marcação do tempo desperdiçado .

No terraço, o vigia idoso sentava, escorando encosto e pernas traseiras da cadeira contra a parede , arriava a aba do quepe sobre os olhos , retomando a longa peregrinação de trinta e quatro anos , em busca da grande milhar jamais sonhado do jogo do bicho , de animais fugidios tal a matéria que tece os sonhos , sempre de laços soltos , a desmanchar-se e refazer-se, até a consciência recoser tudo . Na mesinha ao lado , caderneta e esferográfica já destampada ,aguardando o palpite feliz.

Um muro pálido e gretado, ainda não era obstáculo para Eufrásio e o sonho da grana a vinte metros de distancia .Trocou de cilindro, testou a chama e prosseguiu a faina desbastante no metal que não se entregava.

Outra olhada para os relógios de parede e de pulso . Dalí há vinte minutos , o foguetório de ano novo e a liberdade de trabalhar com o gás mais aberto . Agora , ao segundo tempo do jogo de arromba ; a um palmo , alegria e dinheiro , a fuga da vida merduncha e abespinhante , uma respirada acima do sufoco .

Da sacola, tirou a garrafa de cachaça ; na boca ressequida pelo medo, um gole decidido e brusco.Esperaria o início do foguetório. Roma não se fez num dia , aquilo tudo lhe custara um mês de trampo ; avaro na confiança ,ninguém além dele mesmo e o escapulário da Senhora da Conceição , que beijava tremulo , antevendo a misericórdia colossal da Protetora, compreensiva da aflição com que esperneava para sair do buraco , aquele dinheiro a redimi– lo da pobreza e das desgraças menores á reboque ; imagina , até cornudo se tornara , pela mocréia imprecadora ; tratando - o de preguiçoso e cachaceiro até aboletar-se no caminhão de Liberato, o mineiro branquela , macio, risonho e de língua enrolada , á essa altura,nos quintos dos infernos, de brasilsão afora , traçando- a feito galo , tal foram flagrados na boléia do caminhão , nus e felizes ; velhos ódios , mortos de inanição pelo tempo .
Sequer um motel ; sem – cerimônia total , chifrado á frio .Sem muita convicção , ainda bateu mão á faca , mas o peso da idade colocou perguntas de difícil resposta ; a primeira, se valeria a pena o furdunço pensado : ter de esconder-se da possível vingança de gente que sequer conhecia , vinda não sei de onde ; segundo , mulher galheira hoje, tava mais que bem amparada ; homem virou mercadoria sem valor e sem regateio ; preso , teria de virar-se com os advogados oferecidos pelo governo , logo ele , que nunca acreditara em nada que não lhe saísse suado de dentro do bolso , até agora , nesses sessenta mal vividos .

Mais uma lapada ; a cana desceu – lhe incandescente , explodindo no estomago em fúria vulcânica ; subindo, atiçou-lhe o fogo meio morto do cérebro , que começaria a ratear um dia e não mais pegaria nem no tranco da pinga. Lembrou do fim do velho pai e benzeu-se . Outro olhar ansioso para os relógios , agachou – se ; acocorado trabalharia mais relaxado . Pior a emenda que o soneto : do cilindro reserva , um chiar fino e humilhante .Mesmo testado e recarregado ,a válvula liberava aqui e ali , um débil e azulado lampejo de angústia sussurrada e intermitente .

Meia – noite , os fogos pintavam o céu escuro , agora rendilhado multicor na janela e os sibilos seguidos de explosão, abafando os gritos da multidão ao longe . Válvula aberta ao máximo, o lampejo engrossou um pouco , mas a área de luz ao seu redor , foi aumentando e isso poderia ser muito ruim , chamando a atenção do velhote , caso despertasse .Cogitara uma parceria propinosa com o vigia ; mas percebera apenas orgulho babaca de passar trinta e quatro anos e seis meses , dormindo numa cadeira de repartição pública, confessado enquanto ele fingia aplicação na lanternagem daquele passat em petição de miséria , na oficina do Matuto.A cada um , conforme a sua imbecilidade, filosofou entre dentes.

O mesmo sujeito , de graça e ao acaso, falou do caixa automático dentro daquele prédio antigo e maltratado, a dois quarteirões,na hora de pagar o conserto , com um talão de cheques zerado . Da idéia ao plano , apenas meia hora a matutar sobre a vida . Na volta do imbecil , embolsou a mixaria em espécie, decidindo onde e quando , puxaria o pé da merda . E tiraria de vez , claro .

A alma do acetileno minguava , a chama sequer expandia em abertura máxima .
Retornara ao filete de luz , quase chama de isqueiro . O desespero, saía do seu canto escuro infiltrando – lhe a mente ; pensava em ziguezague, uma estranha fé lhe invadia a natureza , empilhando - se por cima de tudo : ir em frente , o mundo muito lhe devia ,era credor de muita coisa , vivia uma vida cada vez mais aparentada com a morte , ir em frente , de qualquer jeito . O tempo avançou e estancou em parada brusca , no relógio de parede ; falta de pilha ou cansaço , palavra chave daquele universo estagnado e mesmo assim , ridiculamente bem posto . O relógio de pulso continuava ; sincronia perfeita com uma angústia suada e tresandando á cachaça .

O salão onde ficava o caixa , de alto pé direito, tinha recessos agora subitamente iluminados e logo escurecidos pelo foguetório ; via em relances os terminais de consulta desligados , tal animais postos em sossego pela escuridão , vigiando-o de suas baias.
No relógio de pulso, meia – noite e quarenta . O foguetório , a essa altura morto e enterrado, deu lugar á boa e velha lua que não mais lhe pacificava a natureza agitada e embotada de aguardente . Agora , restava arrancar a chapa no bico da talhadeira.
A lâmina avançava e recuava ; uma obsessão em aço . Retirou da sacola a garrafa do conhaque reservado ao descanso . Um gole do tamanho da angústia , da frustração , do medo do fracasso e do medo de ter medo. A mente girava , o corpo acompanhando , ensaio de cambalhota sobre o abismo .

Adormeceu . Um bico de maçarico frio e uma garrafa de conhaque, vigiavam – lhe o sono profundo e tranqüilo. Ao amanhecer , preso , sem oferecer resistência , por dez policiais portando fuzis e colete á prova de balas . Na saída do prédio , a alma vazando pelos olhos, na dor de cabeça do ressacante fracasso ; chutou nos testículos um fotógrafo que lhe disparou um flash quase á queima – roupa , levando o primeiro empurrão do tira parrudo e sisudo. Reviravam-se a alma e o estomago dolorido e faminto .Entrou no camburão algemado, na dignidade ainda ébria e empertigada .
 
 

Talvez

Traços de um lépido amador, despretensiosas pegadas que talvez, nem deixem marcadas pelos caminhos. Um dia talvez esses versos sejam letra morta, esparramados pelo chão como folhas de um outono adormecido - ou apenas mais uma porta. Quem sabe se de saída ou de entrada, daquela cabana abandonada na beira da estrada. Lugar sem endereço, estalagem de moradores retirantes, quem sabe o primeiro passo na estrada. O marco de um início ao retorno. Planos bem traçados abraçados no cruzamento da esperança, ou aquilo que não vale nada ser lembrado.
Um vislumbre de volta de quem nunca foi. Registros de um Lápis sem ponta, faz de conta que somos heróis, que somos bedéis, berberes de um deserto de inspiração e então, talvez esses versos sejam esquecidos, ou nunca saiam de moda.
Tremula entre os dedos a incerteza, o medo a insegurança, alimentos de uma coragem cega e voraz. Mó de um moinho de vento, talvez sejam como a roda, que ninguém sabe quem inventou. Talvez seja apenas uma teoria “quixoteana”.
Talvez sejam como eu sou.
Caminhando pra onde eu não sei se vou.



Autores: Lápis sem ponta e Toth






Gosto de alguns autores aqui no Luso, claro, que sem desmerecer ninguem, muitas vezes me falta tempo para ler a todos e com mais frequencia. 
Bem, recebi uma mensagem do Poeta Toth, que tentou postar um comentário no texto PRESENTE e não conseguiu; e um poema, que tomei a liberdade de diluí-lo em um texto [Nosso].
Toth, agradeço-lhe imenso as palavras de incentivo e o "presente", que deitarei a seguir para o deleite de todos.
(Abraços)
Lápis sem ponta


"Um dia talvez esses versos sejam letra morta
Ou apenas mais uma porta
Quem sabe se de saída ou de entrada
Quem sabe o primeiro passo na estrada
Ou aquilo que não vale nada
Lápis sem ponta, faz de conta
Talvez esses versos sejam esquecidos
Ou nunca saiam de moda
Talvez sejam como a roda
Que ninguém sabe quem inventou
Talvez sejam como eu sou
Caminhando pra onde eu não sei se vou"


Toth


Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=225780&com_id=872405&com_rootid=872405&com_mode=nest&com_order=0#comment872405#ixzz1zOc5ENGk
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[... e quando me morro contorce-se o cansaço


e quando me morro contorce-se o cansaço
Que se encabrita pela pele já gasta.
E morro-me tantas vezes como as ondas do mar.

E morro-me tantas vezes longe da terra
Que sangra desnudada dos queixumes
Deixados pelo grito meu, esquecido no meio das searas.

Fulgem repentinas tempestades que se acalmam,
Quando ressurge o fugidiço poente pela proa,
Regressam os recantos que ainda sobrevivem.
Agonizantes.

Morro-me assim, tantas são as vezes,
Quão longe estou das orquídeas tuas.

Quanto mais perto do mar estou, mais longe de ti sou,
Assim me morro. Pudesse eu morrer-me de vez.

O coração?

Adiei-o.
Poema de Ricardo Pocinho (Transversal)