Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Epopéias vividas

O meu propósito é a minha nova alegria para eu, tu e vós.

Sua voz terna fogosa em versos e prosa já soa na mureta
com um bolor misterioso e atroz.

Ouvi um grito irritado com cheiro de betume fresco,
era eu livre com gesso.

Se soubésseis de que as imundices nascem e crescem.

Os meus versos não teriam ignomínia, qual será o ipê
amarelo das cercas? Qual será a planta ou erva tórpida
que vai nascer?

Não me preocupam os exércitos das epopéias vividas.

Hoje não há graça nas fábulas elegíacas, diabólicas,
gástricas e desmedida.

Quanto ao poeta estou nos versos nas vestes de tudo que
deve ser, pra muitos deve ser um despautério.

Não ao modo que pensam as outras pessoas, mas na minha
doce loucura sã e com meus mistérios.

Tem uns que a clemência foge e se justifica com a razão.

Mas eu não te esqueço, quase enlouqueço querendo seu
perdão.

Não deu história real feneceu antes de ter você, vou seguir
te esperando com um ensejo de não me matar vivo neste
desejo.






http://poetadefranca.blogspot.com/
O NOVO POETA. (W.Marques).

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Adolescentes na esquina - uma pequena crônica





Numa manhã de sol fui ao centro de Areia Branca, bairro do município de Belford Roxo onde moro, para comprar remédio. Cruzando a esquina da Rua Ribalta - onde fica um prédio que abriga uma padaria desativada - um grupo de cinco adolescentes trajando uniformes escolares ouviam num rádio em alto e bom som o hit Parado na Esquina do MC Robacena. O cenário denunciava o óbvio: os meninos estavam matando aula para curtirem o funk.

Entre eles havia um casal de namorados. A moça estava deitada com a cabeça encostada no colo do namorado (ou ficante) que estava sentado na calçada. Os outros três rapazes em pé riam com prazer, liberdade, descomprometimento. O menor deles dançava com uma debochada timidez - de quem tem o prazer em não mostrar tudo que é capaz de fazer. Uma coisa alí me seduzia; o descompromisso, a irreverência, o desafio e a beleza de jovens adolescentes em uma esquina celebrando a vida. O que importa se eu acho o funk uma porcaria? Se eu acho suas letras pobres? Se há pessoas que acham que elas e sua batida induzem adolescentes e crianças à violência, à pedofilia, à prostituição, ao crime e à promiscuidade sexual? O que importa se os adolescentes de hoje estão à mercê das drogas e da falta de limites? Tudo isso se apagava da minha mente. Até mesmo a crise na Educação; o conflito entre educadores e estudantes, entre pais e filhos.

Na fotografia da minha mente e do meu coração só ficava e fica até agora a cativante e envolvente imagem daqueles adolescentes parados na esquina, festejando o mundo na batida do funk; como anjos festejando o astral ao som de uma harpa.

Marcio Rufino

Créditos da imagem: Site Texto Online.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O último verão

Contemplava a folha branca, disponível, convidativa tal a mulher amada a

repousar nua, no leito de amor. Olhava as matas ao redor da casa, recobrindo

as montanhas, o rio corria distante, um tímido sol ainda escondido entre as muitas

nuvens. Os olhos fixaram-se na própria imagem, refletida pelo vidro da janela do

estúdio: um velho barbudo, magro, de olhar patético e perdido entre as mesas e

estantes. Ladeando a máquina de escrever, a foto oficial de Kennedy, àquela hora o

maior desafio da sua vida, tentar encontrar e reunir palavras no nevoeiro de seu

cérebro, para saudá-lo em sua posse. Ninguém escreve uma obra-prima saudando um

político, ele sabia disso, a assessoria da Casa Branca foi até bem generosa, pedindo

“umas poucas palavras“; mas tinha seu nome, uma coisa gostosa ou pesadíssima para

carregar e um Nobel de Literatura com a medalha pendente da parede ali, na sua frente,

acima da estante menor , brilhando conforme o sol cambiante do verão no Idaho. Não

poderia ser qualquer coisa; não era um discurso de abertura do campeonato de golfe,

era algo a ser lido na posse daquele jovem presidente, figura promissora e carismática

que solicitara conhecê-lo pessoalmente. Mas as palavras vagavam pela névoa a

que se resumiam seus processos mentais, sentia-se um velho general da guerra civil de

espada em punho, com a tropa em debandada, apavorada pelo próprio medo.

Ultimamente, viver era um périplo entre psiquiatras, editores, advogados da terceira ex -

esposa e a fuga de si mesmo, pois percebia o fracasso no sabor do whisky e admitia

que um homem pudesse ser destruído, nunca derrotado. Acariciava o teclado da velha

Corona, mas o espírito vazio e embotado, enxergava ali o ringue da derrota, sem

ninguém para jogar a toalha. Trocava olhares com Boise, sorriu lembrando a ocasião na

qual o bichano ingerira um dos seus comprimidos de seconal e usufruiu alguns dias, um

sono bastante tranqüilo, apavorando a sua esposa; o veterinário mais próximo ficava

a quase uma hora de carro. Martha se fora e Boise era sua companhia, sentado sobre

a mesa de trabalho, com o verdor do seu olhar crítico, que tantas vezes levara Ernest

a cortar parágrafos inteiros. Sacou a garrafinha de prata cheia de whisky e sorveu um

gole rápido e sem sabor de nada. Scott Fitzgerald presenteara-a no lançamento de

O sol também se levanta, babando pra Ava Gardner, que fingia ignorá-lo solenemente.

A solidão da casa antes ideal para escrever, afundava-o diariamente alguns metros

na depressão asfixiante, sempre batendo com mais força nas manhãs, desrespeitando

até os verões mais radiosos de Ketchum. Doença escrota. Mergulhava diariamente

naquela espiral de angústia e estupor destrutivo, à prova de todos os medicamentos,

passava horas contemplando as antigas fotos de Paris, do seu tempo de geração perdida

quando todos pareciam acreditar vagamente em algo, Deus, Marx, Baudelaire

ou na xota de Marlene Dietrich, que diferença fazia na época? Paris, em sedutora

decadencia; podia-se esbarrar em James Joyce, Picasso ou Ezra Pound e eles ainda te

pediriam desculpas. Paris, esquina do mundo, meca espiritual dos escritores e do vasto

lumpesinato artístico. Sobre a mesa próxima da janela, a caixa com o enigmático

presente de sua mãe: a caixa contendo a arma com que seu pai se matara. Depois de

tantos anos, aquilo parecia o prenúncio do seu triunfo sobre a depressão, a saída honrosa

de quem não conseguia escrever vinte linhas saudando Kennedy e a esperança de uma

América menos fascista. Mas achou tudo um desfecho de muito mau gosto: pegou a

carabina comprada na África, enquanto escrevia As Neves do Kilimanjaro. Sopesou-a,

sentiu a frieza do metal contendo aquele grande potencial de destruição, abriu a gaveta

da mesa, alimentou a arma com dois cartuchos, caminhou ao léu pelas salas, viu-se

no espelho, segurando aquela máquina de matar: um cartucho derrubava um elefante

em plena fuga; sentou no alto da escadaria, engatilhou cuidadosamente a arma, teve

o cuidado de tirar os dois sapatos, apoiou a carabina no terceiro degrau, acomodou

o cano na boca, contra o palato e acionou o gatilho com o pé esquerdo. A explosão

reverberou pela Ketchum sonolenta. Moise escondeu-se assustado sob a escrivaninha,

enquanto os pássaros voavam em debandada, lá no Idaho.


*** Ao escritor Ernest Hemingway, no cinqüentenário de sua morte (2011).


Conto de André Albuquerque.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sobre a importância de Plutão e Caronte

Diogo passava os seus dias cuidando de imenso jardim na grande mansão. Em troca
daquele seu trabalho simples, natural, daquele seu cuidado às frágeis criaturas do reino
vegetal, é que ele garantia sustento. A contrapartida de suas mãos calejadas: o quarto
singelo para repousar o seu ser à noite, ante a gravidade da terra e o etéreo das estrelas
flutuantes, acima de sua cabeça; um bom prato de comida que Luiza preparava; e água a
vontade, para beber, lavar o corpo e dar de beber a sua verde companhia.

Daquela sua simplicidade singular irradiava o sorriso ingênuo, e um brilho por vezes inconcebível, que habita apenas os retardados e os mentecaptos. Diogo não entendia das
coisas do homem, cada cuidadoso golpe de sua enxada separava, paulatinamente, as
ervas daninhas das mais variadas espécies de plantas, e resultava em gotas de suor que
lhe corriam a face. O mesmo sol que possibilitava a fotossíntese castigava a sua cara.

Os elegantes moradores da mansão avançavam orgulhosos com os seus visitantes
através de caminhos cuidadosamente traçados, entre magníficas folhagens, as belas
flores e sublimes perfumes, mas mesmo estando ali, em meio às plantas, Diogo passava-
lhes desapercebido. E assim Diogo, abandonado na crosta terrestre, crescia para dentro,
deslocado da escória do ser humano.

Certa noite de primavera, logo após o crepúsculo, Diogo deu-se conta de um corpo sutil
e brilhante que recém avistara no céu. Então ele, como uma criança, correu e chamou
Luiza para compartilhar da descoberta. ‘Onde está, Diogo?’ Ele apontava com o dedo
indicador de sua mão esquerda, ao mesmo tempo em que fechava o seu olho direito,
num espetáculo de lhe tirar o crédito, ‘está lá, viste?’ ‘Pois eu não vejo é nada, hôme.’
‘É pequenino como um grão de areia.’ ‘Deixe de besteira que eu vou me recolher’, disse
Luiza, já imaginando que Diogo tivesse com segundas intenções.

As noites e os dias se desdobravam numa sucessão da mesma rotina, como que para
imprimir-lhes o duro signo da realidade, de uma vida tranquila e sem sobressaltos para
os patrões, do quotidiano sofrido dos empregados. Foi durante esse período que Diogo
acompanhou a aquiescência do firmamento ao surgimento de nova esfera celeste: esta
assomava em volume e brilho a cada anoitecer.

Todas as noites, um Diogo assombrado clamava por Luiza para compartilhar dessa sua
descoberta. Ela olhava, buscava, mas nada via. Ela procurava também perscrutar um
eventual desígnio secundário advindo daqueles miolos matutos de Diogo, mas este
esforço também, lhe era vão. Foi exatamente naquela noite quando Luiza finalmente
decidiu permitir-se e ceder à aproximação do seu corpo ao corpo de Diogo que, para seu
espanto, ela vislumbrou pela primeira vez a pedra celeste que se avolumava e avançava
perigosamente em rota de colisão com o planeta Terra.

Não tardou muito: os observatórios ao redor do planeta só tinham olhos para o
asteróide; os cientistas, alarmados, debatiam sobre as implicações e a possível origem
de misterioso objeto que viajava em velocidade assombrosa, cruzava o espaço, e seguia
em direção a nossa Terra. Os jornais sanguinolentos, os noticiários sensacionalistas da
tv, as páginas fúteis da internet, o assunto monopolizava atenções, causando verdadeiro
alvoroço, especialmente entre os mais abastados, os mais cultos e os eminentes, que temiam a ideia de serem esmagados como se fossem formigas.

Luiza observou um estranho paradoxo no transcorrer daqueles dias. Diogo permanecia
absorto pelas demandas com as plantas do imenso jardim na grande mansão. O seu
cuidado com as verdes criaturas era inabalável. À noite ele passava a admirar o
asteróide, como fizera desde a sua primeira observação da pedra celeste. Um estranho
brilho reluzia de seus olhos, algo nas entranhas daquela cabeça matuta e surrada pelo
Sol parecia começar a ferver a quentura das ideias. Diogo não precisava ir chamar por
Luiza para observarem juntos ao asteróide, ela vinha por vontade própria encontrá-lo,
beber daquela sua gradual e crescente sapiência.

Certa noite Diogo lhe falou da alquimia, que era para ele a supremacia do espírito sobre
a mente, transcendendo a matéria. Ele explicou sobre o conceito do grande regenerador,
sobre a necessária transformação pela destruição, queima e consubstanciação de velhos
aspectos imanentes para o surgimento de padrões organizacionais mais elevados. Luiza
ouvia a essa fala admirada, ao mesmo tempo em que pouco ou quase nada compreendia.

Outra noite parecia a Luiza que os olhos de Diogo tinham luz própria enquanto ele dissertava longamente sobre a mitologia romana e o deus do mundo inferior. Vez por
outra mudava o enfoque, mesmo o seu jeito de narrar, abordava a questão sob a luz de
diferente disciplina. Agora o tema era a astronomia. Diogo falava sobre um senhor de
nome Percival Lowell e o projeto de busca do nono planeta, denominado ‘Planeta X’, ao
alvorecer do século XX.

Com a aproximação gradual, verdadeira invasão do céu pela misteriosa esfera celeste,
que agora competia em área e brilho com a nossa Lua cheia (embora apresentasse
tonalidade ligeiramente mais escura e avermelhada), Luiza percebia que os donos da
mansão e os seus visitantes estavam às raias da loucura; de tão transtornados pelo medo.
Por outro lado, Diogo em sua simplicidade e pureza, parecia exultante com a boa nova.

Foi quando a área do asteróide no céu parecia uma ordem de grandeza superior àquela
da Lua cheia (i.e., pelo menos dez vezes maior), e a Terra dava sinais de claros de exaustão (através da intensa ocorrência de tsunamis, terremotos e a erupção de vulcões); que a comunidade científica admitiu finalmente, em um comunicado oficial à imprensa internacional, que o choque da pedra celeste com o nosso planeta seria inevitável, decretando o fim inexorável da humanidade.

Luiza, que assistiu à grave declaração em transmissão simultânea através de seu
ultrapassado televisor de tubo, estava inconsolável e foi ter com Diogo. ‘Você já ouviu
falar de Plutão? Esse, que já foi considerado o nono planeta do sistema solar, foi rebaixado no início do século XXI ao grau de planeta anão. Plutão e Caronte, o seu maior satélite natural, caracterizam em verdade um sistema binário, porque o baricentro ou centro de massa das suas órbitas está fora do volume definido por cada uma dessas esferas celestes’, disse Diogo com sua tranquilidade habitual.

Fato é que o asteróide continuou a crescer assustadoramente no céu e, quando o choque
e o fim pareciam inevitáveis, o seu movimento subitamente cessou, ao estabelecer com
a Terra a configuração de um novo sistema planetário binário no sistema solar.

Diogo despertou ao meio da noite, num sobressalto. Sua pele eriçada como se lhe
soprassem graves os ventos do espírito. O coração batia forte e descompassado, a ponto
de lhe saltar pela boca. Dada a sua natureza cabocla, matuta, ignara muito pouco ou quase nada ele apreendeu conscientemente de inusitada experiência. Mas, de alguma forma, esse conhecimento foi incutido às instâncias mais profundas de seu ser. Como a
semente que cai na terra, algo em seu íntimo foi posto em movimento.


Diogo passava os seus dias cuidando de imenso jardim na grande mansão. Daquela sua
simplicidade singular irradiava o sorriso ingênuo, e um brilho por vezes inconcebível,
que habita apenas os retardados e os mentecaptos. E assim Diogo, abandonado na crosta
terrestre, crescia para dentro, deslocado da escória do ser humano.


www.jorgexerxes.wordpress.com

Conto de Jorge Xerxes

domingo, 18 de setembro de 2011

Não sei porque chove Portugal

Não sei porque chove Portugal quando te apartas de mim
Não sei porque é tão má a saudade de ti
Não porque me vejo Portugal num Tejo de tédios
Quando te ausentas de mim

Não sei porque chove Portugal
Mesmo quando me vejo boreal
Na Paris dos teus abraços

Não sei porque chove Portugal...

Belém/PA, 15/09/2011

Poema de Marcel Franco

sábado, 17 de setembro de 2011

Negritude





Eu sou negro
Quero que meu tronco
Seja seu corpo
E minhas algemas e grilhões
Sejam seu abraço.

Eu sou negro
E não quero que você
Me venda
Quero que você me entenda
Quero que minha presença
Seja o real navio negreiro
Que me liberte do negro afro
E me leve a um sentimento ladino
Me leve ao encontro do negro latino
Dentro do complexo quilombo-continente
Que há em mim.

Pois, então venha
Que ainda sou negro
E meu maior segredo
É que nem abolições, nem cotas
São remédios, nem apagadores
Não desaparecem com as dores
De um passado cruel.

Por isso sou negro
Porque não quero
Que falsos sorrisos e hipócritas políticas
Substitua chibatas
Quero que o amor valha
Para além do samba e da cocada
Para muito além da feijoada.
Pois minha alma é incolor
E ao mesmo tempo tem todas as cores
Possui todos os odores
Que podes supor.

E não há como ser negro
Sem um pingo de maldade
Sem um pingo de piedade
Dentro do quengo.

Pois venha
E quando quizeres me seduzir
Não serei mais um simples negro
E sim a noite que se fez em homem
Pra te possuir.


Marcio Rufino
Todos os direitos reservados.
Crédito de imagem: Site Paixão e Romance.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Uma perna para o meu avô

Meu avô morreu dormindo, e continuaria ali dormindo o grande sono como se fosse

o outro, com a alma gargalhando de ter enganado a gente, se minha mãe

não percebesse, tentando acordá-lo para a comida da manhã. Eu não gostava

de vê-la despertar meu velhinho, pois ele sonhava muito e passava a manhã inteira

me contando os sonhos, com um brilho nos olhos, que apenas fitavam de mentirinha

as montanhas distantes e as savanas. Eu olhava embevecido os seus olhos, que tinham

umas rodinhas brancas engraçadas abraçando as meninas dos olhos. Meu avô, Mahbub,

já não enxergava há seis anos; um médico americano, muito grande, de cara vermelha,

falou em catarata, mas viajou para outras terras antes de operar o meu avô e ele

continuou sem enxergar nada, mas nunca se importou com isso, pois seu pai, também

ficara cego e morrera do coração, há muitos anos atrás. O doutor explicou que os

anéis em volta das meninas do olhos não eram a catarata, mas também apareciam nos

olhos de gente velha; a catarata era mais pra dentro. Minha mãe ficou preocupada,

pegou o espelho e ficou olhando um tempão, o doutor riu e falou que ainda faltava um

bocado de tempo pros anéis dela nascerem. Depois, fez cara feia pra mim, pois soprei

nos olhos do meu avô, tentando mexer a água da catarata e vê-la. Mas a perna de

madeira, ele disse que ia demorar um pouco, mas chegaria no próximo carro da Cruz

Vermelha e deu à minha mãe um papel, pra ela receber a perna e botar no meu avô,

quando o caminhão de pernas passasse por lá. Fiquei muito triste, mas sabia que meu

avô estaria cantando e dançando, como sempre fizera, lá nas savanas eternas. Não

entendi o choro de minha mãe, que batia a cabeça no chão e exclamava maldição para

todos nós. Deixei que muita água saísse dela e perguntei pela maldição.

- Olorum nos castigará duramente, teu avó vai retornar para ele sem uma das pernas,

tudo no mundo é de Olorum , inclusive nós e nossas pernas. Isso atrai castigo, pois

Olorum nos deu tudo e tudo devemos levar de volta.

Aquilo tudo confundiu minha cabeça. Olhava ao redor, nada via além do meu avô no

calmo sossego dos mortos, sobre uma esteira; o toco da perna envolto por uma

manta; o cheiro da comida pouca oferecida pelos chapéus azuis enchia minha cabeça e

meu nariz, mas a fome veio e passou com a ventania lá fora.

Saí e vaguei pela aldeia durante horas.Vez por outra, passava alguém mutilado pelas

minas milicianas e eu imaginava quanta ira caberia no coração de Olorum, com tantas

pernas e braços roubados pela guerra. Mas quem estava morto em minha casa, era o

meu avô, o velho Mahbub, um homem bom e honesto. Não sei quanto tempo passei

vagando pelo campo. Voltei para casa exausto, mais de pensar que de caminhar. Se

meu pai fosse vivo, já teria pensado alguma coisa, mas eu sou Nanji, seu filho de doze

anos, correndo da fome e dos milicianos, com as minhas duas pernas e escondendo a

minha mãe, Abena, que teve um filho gerado à força, durante um ataque dos

milicianos, mas nascido morto pela graça de Olorum, inimigo da maldade dos homens.

Dormi um sono pesado e sem sonhos. Pela manhã, um cheiro de morte começa a crescer

em nossa casa. Minha mãe voltou a chorar e agora descabelava-se. Meu avô continua

na esteira, cercado de flores, nenhum vizinho apareceu, pela vergonha do defunto

perneta que obriga minha mãe a esconder a morte. As moscas varejeiras começam a

fechar o cerco; uma mancha esverdeada já aparece sobre a barriga do meu avô: a morte

fazia a sua parte. Novamente, andando a esmo, cheguei até o riacho, sentei na margem.

Do outro lado, vi Nassar, o mercador de peles, concentrado no seu banho, usando até

o sabonete dos chapéus azuis. Coração acelerado, atravessei o riacho pelo trecho mais

distante e cheio de árvores; dentre as roupas de Nassar puxei a sua perna de madeira,

esquerda, tal a do meu avô. Corri, o coração na garganta, a distender-me o pescoço.

Colocando a perna por dentro da roupa, na parte das costas, fingi uma outra alegria e

Pedi à minha mãe o papel que dava a garantia da perna de meu avô; ela me olhou,

olhos vermelhos de choro desesperado; agora, pura surpresa, pois não ouvira o

barulho da chegada do caminhão das pernas; não respondi, não sabia mesmo o que

dizer. Tirou o papel de um bolso, entregou-me, em chorosa desconfiança. Escondi a

perna atrás do depósito d’água,caminhei até o prédio dos chapéus azuis, entrei na

pequena sala de espera, um deles sorriu meio esquisito, olhando para o relógio. Falei

que estava doido por um dos chicletes de menta, chegados semana passada. Ele

levantou da cadeira, passou por um corredor, enquanto eu abria sua gaveta e carimbava

“ ENTREGUE. ONU “, no papel todo amassado. Recebi sorridente o chiclete

presente do tenente Jones, que fizera, sem saber, a grande ação de sua vida.


Conto de André Albuquerque

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Escrito nas estrelas

Os direitos das mulheres
Os direitos dos negros
Os direitos dos homossexuais
Os direitos dos idosos
Os direitos dos indígenas
Os direitos dos deficientes
Os direitos das crianças e adolescentes

Deveres para omissos
Deveres para preguiçosos
O seu direito começa
Onde termina

Se todos fossem iguais perante a lei
Não haveria segregação
Racial
Social
Sexual
Justiça não é responsabilidade da Lei
É responsabilidade de Todos

Deus foi morto no século XIX
E ninguém notou a sua ausência
E ninguém aguarda o seu eterno retorno
E ninguém existe

O Paraguai é o México da América do Sul
Não é mesmo
Estados Unidos do Brasil?

Países desenvolvidos
No Hemisfério Norte
Países do 3º Mundo não
Subdesenvolvidos não
Em De-sen-vol-vi-men-to
No Hemisfério Sul

Por que não desenvolvem?

Quando o Planetinha Azul tornar-se inabitável
Não vai ficar barato colonizar o Espaço
VAGAS LIMITADAS
AOS ELEITOS
E não vai ser fácil começar do zero
Sem escravizar alienígenas
Ou ser por eles escravizados

Poema de Andri Carvão

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Acordar

sejam essas linhas, queda.
ou vórtice. de uma vaga presença, mas

ar-interino.
onde some.
onde: a pele e o nome,


exercitam-te.










sejam-me às intempéries planejadas
lutas desiguais, e informações ásperas
ora,

que sejam às tuas fúrias, o meu ponto-norte
minha elegia de bússolas descontroladas
e
ainda assim,


a deixarem-me pelo caminho.











sejam. essas linhas, queda.
ou uniforme à praça de tendências, aliás

lugar-preferido.
insone e longe.
onde: a pele e o nome,



exemplificam-te.

Poema de Azke

Amar o Diabo

Amar o Diabo
É como amar o próprio Judas
O mais elevado,
Aquele a quem tentaram
Macular-lhe o brilho,
Denegrir encolerizados
O preferido do único Filho.

Amar o Diabo
É como amar o Evangelho,
A sublime canção,
Boas Novas
De que ninguém precisa de salvação.

Amar o Diabo
É desprezar os doze
Como se nada fossem,
É amar o décimo terceiro,
Ter a carne imolada
No templo de sacerdotes e carniceiros.

Amar o Diabo
É como amar
A geração de Adamás
E seus luminares,
Aquela que tentaram sacrificar
Nos altares
Dos que jejuam e se abstêm
Gritando aleluia e amém.

Amar o Diabo
É ouvir a voz de Satanás
Sussurrar-nos assaz
Que nosso chão,
Que nosso pão e além
Não é uma caixa
Onde se acha
Todo o mal ou todo o bem.

Amar o Diabo
É ter Judas Iscariotes
Como confessor e sacerdote,
Ser facho ou archote,
Apóstata,
Alvo dos apóstolos,
Malditos zelotes.

Amar o Diabo
É não ser gado,
Estar imundo e sem pecado,
Trazido ao mundo,
Da perdição das estrelas
E poder vê-las
Como antiga cela
Onde lhe devoravam
O fígado e as costelas.

Amar o Diabo
É ver o próprio Deus
Despir-se de todas as vestes
É vê-lo nu, sem desejos,
Monstro do Leste,
A contemplar no espelho,
Sem chifre ou rabo,
Toda a pureza do Diabo.

Amar o Diabo
É tornar-se pio crente,
Ter nas mãos a estrela e a serpente,
A ira acesa,
A marca e o chifre
De quem quer ser livre
E, enfim, se desnuda
Para crer
No evangelho de Judas.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Flores rudes

As minhas flores
São flores rudes -
Não atrairiam a tibieza
Do coração dos homens,
Nem as aplaudiriam
Quem mantém os sentidos
Superlativamente excitados
Pelos graxos sons de fonemas,
Que só fazem mesmo o gosto
De estômagos habituados
À compulsória ingestão
Dos venenos aveludados
De tediosas verves e lisonjas,
Que embalam os cantos e as loas
De viciosos bardos... Vates,
Prenunciadores de fátuos arrebóis.

Poema de Lázaro Ben Hashem

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Conselho a um poeta




Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? – perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade.” E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!


Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as digressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: “O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escreve os seus poemas?” A poesia é dessas coisas que a gente faz, mas não diz.


A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.


Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: “Eu não te largarei até que me abençoes”. Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técnica dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.


Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.


Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que, no entanto, me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.


Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?


Mario Quintana

Cena.ar: letra-Alvo

ela serve-se..

mar,
ensejo cadente por utopia(à ilha) de papel
ela serve-me
qual,
alvorada revogada.
rente.
ou. (lâmina.. em)plano-fosco, de tintas..
referência-pagã. de preces obsoletas e nulas

do quadro-página que, à insônia,
morada: lhe fiz..

e-é: sempre lenda.

ou.cena..
registro de conformidade aliciada
da im-presença(vaga) acortinada ao palco-febre
desde.
que,
à tela(dela), me formei..

ah, (esta)mensagem re-criada!
livrada..
em pecado rumo por um livro-solto, a presidir
ou
o corpo
e
posto. de face a ruir o nome(alvoroço) ao-que te condenei..



..



ano:
um.


mero tempo..
tão sendo,
do pouco que tenho,
à senda(retirada), e.
de ti.







(ainda-morada)

Poema de Azke

domingo, 4 de setembro de 2011

Nunca vi o mar

Olá amigos, acabei de lançar meu primeiro livro de poesia e gostaria de compartilhar minha alegria com vocês! Cartilha, publicado pela Editora Oito e Meio, já pode ser adquirido em todo o Brasil, através do site da editora (www.oitoemeio.com.br), no link http://www.oitoemeio.com.br/858/catalogo/cartilha/#more-858

Segue uma palhinha do livro! Abraços!!


[Nunca vi o mar]

Nunca vi o mar. Sempre
esperei à beira de um rio.
Guardando o trajeto
da água,
de seus peixes de ar.

Nunca desejei o infinito abraço
aberto do mar.
Me contentava com o rumoroso riso
da correnteza no velho mangue.

As árvores buscaram
aquelas margens.
Tudo que era real ou fantástico.
Fiquei com os ais
das pedras, no antigo cais.

Quantas paragens não naveguei.
Longe, muito longe
de onde este rio corre,
estava a promessa do mar.

Poema de João Lima

sábado, 3 de setembro de 2011

Pó ao pó

dorme minha alma
recebendo o vento
de tudo que foi e existe
mesmo que tenha que cavar o chão
não terá o que não teve
os sonhos idos
como vento na estepe
mais parecidos com a alma
(que ela mesma)
brincando que as coisas mudam
... e não doem iguais

Poema de Vânia Lopez