Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sobre a importância de Plutão e Caronte

Diogo passava os seus dias cuidando de imenso jardim na grande mansão. Em troca
daquele seu trabalho simples, natural, daquele seu cuidado às frágeis criaturas do reino
vegetal, é que ele garantia sustento. A contrapartida de suas mãos calejadas: o quarto
singelo para repousar o seu ser à noite, ante a gravidade da terra e o etéreo das estrelas
flutuantes, acima de sua cabeça; um bom prato de comida que Luiza preparava; e água a
vontade, para beber, lavar o corpo e dar de beber a sua verde companhia.

Daquela sua simplicidade singular irradiava o sorriso ingênuo, e um brilho por vezes inconcebível, que habita apenas os retardados e os mentecaptos. Diogo não entendia das
coisas do homem, cada cuidadoso golpe de sua enxada separava, paulatinamente, as
ervas daninhas das mais variadas espécies de plantas, e resultava em gotas de suor que
lhe corriam a face. O mesmo sol que possibilitava a fotossíntese castigava a sua cara.

Os elegantes moradores da mansão avançavam orgulhosos com os seus visitantes
através de caminhos cuidadosamente traçados, entre magníficas folhagens, as belas
flores e sublimes perfumes, mas mesmo estando ali, em meio às plantas, Diogo passava-
lhes desapercebido. E assim Diogo, abandonado na crosta terrestre, crescia para dentro,
deslocado da escória do ser humano.

Certa noite de primavera, logo após o crepúsculo, Diogo deu-se conta de um corpo sutil
e brilhante que recém avistara no céu. Então ele, como uma criança, correu e chamou
Luiza para compartilhar da descoberta. ‘Onde está, Diogo?’ Ele apontava com o dedo
indicador de sua mão esquerda, ao mesmo tempo em que fechava o seu olho direito,
num espetáculo de lhe tirar o crédito, ‘está lá, viste?’ ‘Pois eu não vejo é nada, hôme.’
‘É pequenino como um grão de areia.’ ‘Deixe de besteira que eu vou me recolher’, disse
Luiza, já imaginando que Diogo tivesse com segundas intenções.

As noites e os dias se desdobravam numa sucessão da mesma rotina, como que para
imprimir-lhes o duro signo da realidade, de uma vida tranquila e sem sobressaltos para
os patrões, do quotidiano sofrido dos empregados. Foi durante esse período que Diogo
acompanhou a aquiescência do firmamento ao surgimento de nova esfera celeste: esta
assomava em volume e brilho a cada anoitecer.

Todas as noites, um Diogo assombrado clamava por Luiza para compartilhar dessa sua
descoberta. Ela olhava, buscava, mas nada via. Ela procurava também perscrutar um
eventual desígnio secundário advindo daqueles miolos matutos de Diogo, mas este
esforço também, lhe era vão. Foi exatamente naquela noite quando Luiza finalmente
decidiu permitir-se e ceder à aproximação do seu corpo ao corpo de Diogo que, para seu
espanto, ela vislumbrou pela primeira vez a pedra celeste que se avolumava e avançava
perigosamente em rota de colisão com o planeta Terra.

Não tardou muito: os observatórios ao redor do planeta só tinham olhos para o
asteróide; os cientistas, alarmados, debatiam sobre as implicações e a possível origem
de misterioso objeto que viajava em velocidade assombrosa, cruzava o espaço, e seguia
em direção a nossa Terra. Os jornais sanguinolentos, os noticiários sensacionalistas da
tv, as páginas fúteis da internet, o assunto monopolizava atenções, causando verdadeiro
alvoroço, especialmente entre os mais abastados, os mais cultos e os eminentes, que temiam a ideia de serem esmagados como se fossem formigas.

Luiza observou um estranho paradoxo no transcorrer daqueles dias. Diogo permanecia
absorto pelas demandas com as plantas do imenso jardim na grande mansão. O seu
cuidado com as verdes criaturas era inabalável. À noite ele passava a admirar o
asteróide, como fizera desde a sua primeira observação da pedra celeste. Um estranho
brilho reluzia de seus olhos, algo nas entranhas daquela cabeça matuta e surrada pelo
Sol parecia começar a ferver a quentura das ideias. Diogo não precisava ir chamar por
Luiza para observarem juntos ao asteróide, ela vinha por vontade própria encontrá-lo,
beber daquela sua gradual e crescente sapiência.

Certa noite Diogo lhe falou da alquimia, que era para ele a supremacia do espírito sobre
a mente, transcendendo a matéria. Ele explicou sobre o conceito do grande regenerador,
sobre a necessária transformação pela destruição, queima e consubstanciação de velhos
aspectos imanentes para o surgimento de padrões organizacionais mais elevados. Luiza
ouvia a essa fala admirada, ao mesmo tempo em que pouco ou quase nada compreendia.

Outra noite parecia a Luiza que os olhos de Diogo tinham luz própria enquanto ele dissertava longamente sobre a mitologia romana e o deus do mundo inferior. Vez por
outra mudava o enfoque, mesmo o seu jeito de narrar, abordava a questão sob a luz de
diferente disciplina. Agora o tema era a astronomia. Diogo falava sobre um senhor de
nome Percival Lowell e o projeto de busca do nono planeta, denominado ‘Planeta X’, ao
alvorecer do século XX.

Com a aproximação gradual, verdadeira invasão do céu pela misteriosa esfera celeste,
que agora competia em área e brilho com a nossa Lua cheia (embora apresentasse
tonalidade ligeiramente mais escura e avermelhada), Luiza percebia que os donos da
mansão e os seus visitantes estavam às raias da loucura; de tão transtornados pelo medo.
Por outro lado, Diogo em sua simplicidade e pureza, parecia exultante com a boa nova.

Foi quando a área do asteróide no céu parecia uma ordem de grandeza superior àquela
da Lua cheia (i.e., pelo menos dez vezes maior), e a Terra dava sinais de claros de exaustão (através da intensa ocorrência de tsunamis, terremotos e a erupção de vulcões); que a comunidade científica admitiu finalmente, em um comunicado oficial à imprensa internacional, que o choque da pedra celeste com o nosso planeta seria inevitável, decretando o fim inexorável da humanidade.

Luiza, que assistiu à grave declaração em transmissão simultânea através de seu
ultrapassado televisor de tubo, estava inconsolável e foi ter com Diogo. ‘Você já ouviu
falar de Plutão? Esse, que já foi considerado o nono planeta do sistema solar, foi rebaixado no início do século XXI ao grau de planeta anão. Plutão e Caronte, o seu maior satélite natural, caracterizam em verdade um sistema binário, porque o baricentro ou centro de massa das suas órbitas está fora do volume definido por cada uma dessas esferas celestes’, disse Diogo com sua tranquilidade habitual.

Fato é que o asteróide continuou a crescer assustadoramente no céu e, quando o choque
e o fim pareciam inevitáveis, o seu movimento subitamente cessou, ao estabelecer com
a Terra a configuração de um novo sistema planetário binário no sistema solar.

Diogo despertou ao meio da noite, num sobressalto. Sua pele eriçada como se lhe
soprassem graves os ventos do espírito. O coração batia forte e descompassado, a ponto
de lhe saltar pela boca. Dada a sua natureza cabocla, matuta, ignara muito pouco ou quase nada ele apreendeu conscientemente de inusitada experiência. Mas, de alguma forma, esse conhecimento foi incutido às instâncias mais profundas de seu ser. Como a
semente que cai na terra, algo em seu íntimo foi posto em movimento.


Diogo passava os seus dias cuidando de imenso jardim na grande mansão. Daquela sua
simplicidade singular irradiava o sorriso ingênuo, e um brilho por vezes inconcebível,
que habita apenas os retardados e os mentecaptos. E assim Diogo, abandonado na crosta
terrestre, crescia para dentro, deslocado da escória do ser humano.


www.jorgexerxes.wordpress.com

Conto de Jorge Xerxes