Manifesto do coletivo Pó de Poesia
O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.
Creia.
A poesia pode.
(Ivone Landim)
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
O último verão
repousar nua, no leito de amor. Olhava as matas ao redor da casa, recobrindo
as montanhas, o rio corria distante, um tímido sol ainda escondido entre as muitas
nuvens. Os olhos fixaram-se na própria imagem, refletida pelo vidro da janela do
estúdio: um velho barbudo, magro, de olhar patético e perdido entre as mesas e
estantes. Ladeando a máquina de escrever, a foto oficial de Kennedy, àquela hora o
maior desafio da sua vida, tentar encontrar e reunir palavras no nevoeiro de seu
cérebro, para saudá-lo em sua posse. Ninguém escreve uma obra-prima saudando um
político, ele sabia disso, a assessoria da Casa Branca foi até bem generosa, pedindo
“umas poucas palavras“; mas tinha seu nome, uma coisa gostosa ou pesadíssima para
carregar e um Nobel de Literatura com a medalha pendente da parede ali, na sua frente,
acima da estante menor , brilhando conforme o sol cambiante do verão no Idaho. Não
poderia ser qualquer coisa; não era um discurso de abertura do campeonato de golfe,
era algo a ser lido na posse daquele jovem presidente, figura promissora e carismática
que solicitara conhecê-lo pessoalmente. Mas as palavras vagavam pela névoa a
que se resumiam seus processos mentais, sentia-se um velho general da guerra civil de
espada em punho, com a tropa em debandada, apavorada pelo próprio medo.
Ultimamente, viver era um périplo entre psiquiatras, editores, advogados da terceira ex -
esposa e a fuga de si mesmo, pois percebia o fracasso no sabor do whisky e admitia
que um homem pudesse ser destruído, nunca derrotado. Acariciava o teclado da velha
Corona, mas o espírito vazio e embotado, enxergava ali o ringue da derrota, sem
ninguém para jogar a toalha. Trocava olhares com Boise, sorriu lembrando a ocasião na
qual o bichano ingerira um dos seus comprimidos de seconal e usufruiu alguns dias, um
sono bastante tranqüilo, apavorando a sua esposa; o veterinário mais próximo ficava
a quase uma hora de carro. Martha se fora e Boise era sua companhia, sentado sobre
a mesa de trabalho, com o verdor do seu olhar crítico, que tantas vezes levara Ernest
a cortar parágrafos inteiros. Sacou a garrafinha de prata cheia de whisky e sorveu um
gole rápido e sem sabor de nada. Scott Fitzgerald presenteara-a no lançamento de
O sol também se levanta, babando pra Ava Gardner, que fingia ignorá-lo solenemente.
A solidão da casa antes ideal para escrever, afundava-o diariamente alguns metros
na depressão asfixiante, sempre batendo com mais força nas manhãs, desrespeitando
até os verões mais radiosos de Ketchum. Doença escrota. Mergulhava diariamente
naquela espiral de angústia e estupor destrutivo, à prova de todos os medicamentos,
passava horas contemplando as antigas fotos de Paris, do seu tempo de geração perdida
quando todos pareciam acreditar vagamente em algo, Deus, Marx, Baudelaire
ou na xota de Marlene Dietrich, que diferença fazia na época? Paris, em sedutora
decadencia; podia-se esbarrar em James Joyce, Picasso ou Ezra Pound e eles ainda te
pediriam desculpas. Paris, esquina do mundo, meca espiritual dos escritores e do vasto
lumpesinato artístico. Sobre a mesa próxima da janela, a caixa com o enigmático
presente de sua mãe: a caixa contendo a arma com que seu pai se matara. Depois de
tantos anos, aquilo parecia o prenúncio do seu triunfo sobre a depressão, a saída honrosa
de quem não conseguia escrever vinte linhas saudando Kennedy e a esperança de uma
América menos fascista. Mas achou tudo um desfecho de muito mau gosto: pegou a
carabina comprada na África, enquanto escrevia As Neves do Kilimanjaro. Sopesou-a,
sentiu a frieza do metal contendo aquele grande potencial de destruição, abriu a gaveta
da mesa, alimentou a arma com dois cartuchos, caminhou ao léu pelas salas, viu-se
no espelho, segurando aquela máquina de matar: um cartucho derrubava um elefante
em plena fuga; sentou no alto da escadaria, engatilhou cuidadosamente a arma, teve
o cuidado de tirar os dois sapatos, apoiou a carabina no terceiro degrau, acomodou
o cano na boca, contra o palato e acionou o gatilho com o pé esquerdo. A explosão
reverberou pela Ketchum sonolenta. Moise escondeu-se assustado sob a escrivaninha,
enquanto os pássaros voavam em debandada, lá no Idaho.
*** Ao escritor Ernest Hemingway, no cinqüentenário de sua morte (2011).
Conto de André Albuquerque.
Um comentário:
seu blog é muito bom e seus trabalhos são ótimos, abraçosssss
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